sexta-feira, 22 de junho de 2007

A BOLSA

A socialite chega a uma loja, na Oscar Freire. Corre os olhos nas vitrines. Toca algumas peças. Nada lhe agrada.
– É de bambu?
– Como, assim, de bambu?
– Estou procurando alguma coisa mais sustentável, sabe?
– Temos um sutiã bem diferente. Moderno. Jeans. Pode ser usado também como top. Olha este que lindo.
– Quantas lavagens? Isso é muito importante.
– Mas o produto é novo...
– Quem sabe alguma coisa em algodão. Um algodão limpinho. Nada de agrotóxico.
– As camisetas com aplicações em cristais estão em alta. A estampa é exclusiva. Uma pequena jóia, não acha?
– Depois de “Diamante de Sangue”, revi meu conceito sobre jóias. Talvez, um acessório em couro vegetal. Uma bolsa, por exemplo.
– “Mas couro não é de animal, meu Deus? Essa mulher só pode tá louca”. Temos maxibolsas fabulosas. Esta daqui tá, na capa da VOGUE, deste mês. Crocodilo. Os bichos vieram com tudo, nesta estação.
A socialite apaixona-se pela bolsa. E, grudada à vendedora, implora:
– Diz que é sintética. Diz que é sintética, pelo amor de Deus! Eu compro duas, mas diz que é sintética.

IMPRESSÕES AVULSAS

A maratona fashion terminou. A comemoração, se é que podemos chamar assim, é no Café de la Musique. Meu DJ favorito, em São Paulo, Paulinho Borghosian, faz a noite valer a pena. Ainda bem. O som estava realmente ótimo. Em pouco tempo, a casa lota. Modelos de uma famosa agência de São Paulo distribuem sorrisos e amabilidade técnica. Salvo exceções, claro. Faço um estudo minucioso da área. Aprovo a decoração. Detesto o serviço de bar (garçons incluídos) Atrevo-me a fazer alguns poucos movimentos de corpo, para não parecer um objeto não identificado entre os bacanas. Agrado. Findo o meu momento glam, volto pra casa com uma pergunta inquieta, na cabeça. Havia alguma coisa de errado na festa, sem contar, evidentemente, o péssimo atendimento na saída. Mas o quê? Só descubro ao acordar, no dia seguinte. Não havia um único negro como convidado. Vejam bem, não estou falando de seguranças e cia. Por isso, fiquei pensando na possibilidade de cotas para negros também no Café de la Musique.

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DO VAMPIRO

Consegui, enfim, assisti à peça Educação Sentimental do Vampiro, de Dalton Trevisan, muito bem encenada pela Sutil Companhia de Teatro, com direção de Felipe Hirsch. O texto é ótimo, preciso, chegando, muitas vezes, a lembrar Kafka e o próprio Nelson Rodrigues. Cenário maravilhoso de Daniela Tomas e Felipe Tassara. A direção de arte é primorosa e a trilha sonora também. Recomendo. Fica, no Teatro Popular do Sesi, na Av. Paulista, 1.313. Até 18 de novembro. Quartas, quintas e domingos: entrada franca. Se manda!

SIM, EU GOSTO DA VANESSA DA MATA

Sempre gostei das músicas da Vanessa da Mata, mas nunca tinha ouvido um cd inteirinho dela. Fiz isso pela primeira vez com o seu mais recente trabalho, “Sim”. É de uma delicadeza quase inacreditável. Muito bom. E nem precisa estar amando ou sofrendo de amor para se identificar com ele. O que já facilita as coisas. A capa também é incrível! Aliás, eu não me canso de olhar pra ela. Por que será?

MARATONA FASHION




UM DIA NO SPFW

Primeira vez no São Paulo Fashion Week. Confesso que imaginava uma outra atmosfera, com muito mais glamour. Não cheguei a ficar decepcionado, mas saí de lá com a nítida impressão de que os rumos da moda brasileira já não são mais os mesmos. O próprio prédio da Bienal que, na TV, tem uma certa imponência, a olho nu não esconde suas imperfeições. Salvam-se as curvas sinuosas tão características às obras de Niemayer. Logo de cara, vejo saindo de uma van a editora de moda Lilian Pacce e sua família. Meu instinto de paparazzi pede para clicá-los. É o que faço. Logo na entrada, a distribuição de copinhos de água pela metade dá o tom da festa: a água está acabando e precisamos fazer alguma coisa. Penso em tomar banho, uma vez por semana. O Planeta agradece, mas a minha mãe não deve gostar nada disso. Há poucos metros dali, no chão, copinhos de plásticos vazios e folhetos repousam solitários e rebeldes. É. A consciência ecológica não atingiu a todos. O verbo de ordem é “reciclar”. Pena que alguns estilistas faltaram nessa aula. E os castings dos modelos? Os mesmos rostos. As mesmas formas. Talvez, isso explique os atrasos insuportáveis, em alguns desfiles. Carolina Pantoliano, que eu tive a chance de fotografá-la no seu debut nas passarelas, ora abria um desfile, ora fechava outro. Ainda tímida, mas com uma certa delicadeza no andar. Despontando, lá fora, nas páginas da revista Numéro e i-D. Bruna Tenório tem uma beleza interessante, a que mais me agradou, pra falar a verdade. Uma Capitu das passarelas. Já o modelo Ismael Lunkes é o mais low-profile. Com o qual eu mais me identifiquei. Sempre na dele. O modelo Vinicius Briani desfila sem qualquer maneirismo. Perfeito como dândi moderno. O backstage do estilista Mario Queiroz, que pessoalmente lembra muito o diretor Antunes Filho, estava tranqüilo, quase zen. Pasmem, tinha até um modelo lendo um livro. Tudo bem, de auto-ajuda, mas já é alguma coisa. Os lanchinhos desapareceram em alguns segundos. Tive que me contentar com uma limonada e uma torradinha com geléia de tangerina. Eu esqueço que, nesses lugares, é tudo muito light. Mas tinha massagem também. Não para os pobres mortais, como eu, claro. Gostei das redes colocadas próximas à rampa de acesso ao segundo e ao terceiro andar. Vistas de cima, a impressão era de um daqueles barcos gigantes de Manaus. Os mais inspirados podiam ver também um hotel bem ao estilo Dorival Caymmi. O SPFW Journal anuncia “Branco é o futuro”. Nas exposições, a cor predomina. Imagino o evento tomado pelos Filhos de Gandhi. O tapete branco da paz passando e emanando boas vibrações, afinal, o pecado mais cometido no SPFW é a inveja. De repente, bate uma invejinha branca naquele estilista: “Por que eu não tive essa idéia, antes? Por que, hein?” Os mais cruéis ficam na corrente positiva, ou melhor, negativa: “Ela vai tropeçar na passarela. Tropeça, desgraçada. Tropeça!”. Eu também pensei que fosse a vaidade, mas não é. Ou é em menor grau. Luxúria só se for em pensamento, porque é tudo muito monitorado. Bem, também não fui ao banheiro. Nos corredores, circulam pessoas dos mais variados estilos. Um balaio de extravagâncias. O ator Emílio Orciollo Netto passa ao meu lado escoltando a sua acompanhante (sei que acompanhante soa como acompanhante de executivo ou mesmo garota de programa, mas como vou saber se ela é namorada dele, esposa ou nenhuma coisa nem outra?). Aliás, celebridade estava em extinção por lá. Melhor ir tirar a sorte, no realejo da entrada. Um realejo que não agride a natureza. Sem periquito. Já tinha cruzado com o simpático dono do realejo, na Paulista. A sua ave-ganha-pão chama-se Cristina, que, por conta do SPFW, gozou de uma merecida semana de folga. Pelo menos, alguém tinha que ganhar alguma coisa, já que o comentário era de que a maioria dos modelos desfilou sem cachê. Por duas vezes, tiro o mesmo bilhetinho e em locais e horários diferentes. Aprendi a não duvidar dessas coisas. A noite se aproxima e é hora de voltar pra casa cheio de novidades. Ah, lembram da foto da Lilian Pacce e família? Foi parar no GNT Fashion. Fui convidado a mostrar na TV uma imagem que só eu fiz, no prédio da Bienal. Escolheram a da apresentadora do programa. Por que será?
P.S. Devo a minha visita relâmpago ao SPFW a duas pessoas bem legais, Marcos Cunha e Roni. Valeu!

quarta-feira, 6 de junho de 2007

IMPRESSÕES AVULSAS

Marca Página
Li meu primeiro livro da Fernanda Young. Comecei por “As Pessoas dos Livros”. É bem interessante. Duas coisas me chamaram atenção. A linguagem que é bem moderna. Precisamos. E o caos psicológico, peculiar a seus personagens, que é abordado com muita leveza e com um humor mais... Eu ia completar com “inteligente”, mas lembrei que toda forma de humor é inteligente. Ou alguém já ouviu falar em humor burro? O programa dela “Irritando Fernanda Young”, no GNT, eu também acho uma grande sacada.

MSF
Devo fazer parte, mais uma vez, do MSF (Movimento dos Sem FLIP). É. Sem grana fica impossível ir a Paraty para participar da feira literária. De qualquer forma, vou acompanhar pela TV Cultura que promete fazer uma grande cobertura do evento. Simplesmente só vou perder a chance de conhecer o escritor e roteirista mexicano Guillermo Arriaga. Só isso. :-(

Ecologicamente-Up-To-Date
E virou moda falar de aquecimento global, sustentabilidade, salvar a Amazônia, os índios, os ursos polares, o Tietê, etc, etc, etc. Até a folha de pagamento do meu aluguel veio em papel reciclado. Muito civilizado! A SPFW vai falar da importância da água. Que chique, não? O documentário do ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, ganhou até dois Oscar. Alguém assistiu? Parece até que vai rolar, em alguns lugares do globo, o Brasil entre eles, um daqueles famosos shows-comoventes, onde todos estão ali pensando em tudo, menos em “salvar o planeta”. Quando muito, têm aqueles cinco minutos de consciência ecologicamente correta. Depois passa. J-Lo no palco. Incrível. O cara sem pregar os olhos. A namorada cutucando: “Carlos Henrique, estou falando com você!”. E ele em seu discurso pra lá de ecológico: “Também acho foda esse lance de jogar bituca de cigarro, na rua. Demora séculos pra se decompor. Que oxigênio ela tem, você não acha?”. Não sou contra as iniciativas em favor da preservação do meio ambiente. Pelo contrário. Só acho que não deve ser um modismo. Uma imitação da Gisele Bündchen. O Sting já teve seus dias de super-herói dos índios do Xingu e, no entanto? O Michael Jackson, então, nem se fala. Reciclagem deveria ser obrigatória. As prefeituras deveriam estar preparadas pra isso. As escolas deveriam se empenhar mais no ensino de cidadania e ecologia. Vocês não têm idéia da quantidade de lixo que se tira de uma sala de aula. Pra ir à esquina tem que tirar o carro da garagem? E, assim, vamos. Pessimismos à parte, se não houver mudanças concretas da parte do governo e da sociedade, o ecologicamente-up-to-date vai dar lugar ao ecologicamente necessário. E não deve demorar muito.
Preto e Branco
Ainda no campo das artes visuais. Vale a pena conferir a exposição “Eu olhei tanto”, do fotógrafo Carlos Moreira, na CAIXA Cultural São Paulo, também na Av. Paulista, 2.083, até 01 de julho. As imagens de Santos e Guarujá são incríveis. Todas em P&B. Luz espetacular. Saí do local encantado. Claro que há um certo bairrismo da minha parte. Alguma coisa contra?

Abelhudagem
Manhã de sábado. Av. Paulista. Anúncio da exposição “Vibrações” de Romero Britto. Ignoro a data de abertura. Desço um pequeno lance de escadas e já me encontro, no local da exposição. Detalhe. Ainda estão pendurando os quadros, alguns ainda em caixas, testando os suportes de luz, etc. Saco (o verbo é bem este) a minha câmera e começo a fotografar. Só me avisam que é proibido, minutos depois. Tarde demais. Saio com algumas imagens “inéditas”. Uma semana depois, volto lá. Trata-se de uma pequena mostra, mas muito bacana. Há quem torça o nariz para a arte do cara. Eu gosto, sem muito entusiasmo, mas gosto. Av. Paulista, 1.111, no Espaço Cultural Citi. Até 22 de junho.

Samba do Crioulo Doido
De um vendedor de água, no Centro de São Paulo: “Depois de matar a jibóia, jararaca deita e rola”. Isso é que é sabedoria popular!

Humor Cáustico
De um simpático atendente de lanchonete, no Centro de São Paulo: “Seus sanduíches vão chegar daqui a pouco, com todo o respeito”. Resposta: “Trocaria o ‘com todo respeito’ por ‘com toda higiene’”. Claro que ele não me ouviu.

Humor Negro de Mãe
De um vendedor-pedante pra minha mãe (também no centro de São Paulo): “Tá precisando de um atendimento especial?”. “Não. Estou precisando de preços especiais”. Que orgulho!

FLORES DE MAIO E OS MUROS DA CIDADE




A DIVISÃO

Janete finge lixar as unhas, enquanto Claudionor prepara a mala. Um ignorando a presença do outro. Divórcio implica quase sempre em total ausência de civilidade, mas Claudionor quer provar o contrário sendo o primeiro a falar.
– Faz questão da enciclopédia?
– Não. Você a usa mais do que eu.
– É. Esqueci que você não dá a mínima para aprender coisas novas.
– Está me chamando de burra, Claudionor?
– Foi só uma observação?
– Observação que ofende, não é? (pausa) O que tá fazendo?
– Embrulhando a galinha d’angola. Vou levar a mãe.
– E eu fico só com as filhinhas?
– Só? São três. E depois fui eu que as trouxe de Caruaru.
– Mas a idéia foi minha.
– Tá. Devolvo a mãe. Mas pra não deixar as coitadinhas órfãs.
– Melhor assim.
– Em compensação fico com a tartaruga.
– Por mim tudo bem. Não gosto dela mesmo. Aliás, aquela nossa viagem a Paquetá foi um erro. Que idéia a sua achar que eu me parecia com a Moreninha. Pra começo de conversa, eu nem sou morena.
– Pra você ver como eu estava apaixonado. Mas também não precisava passar a viagem inteira de cara amarrada. (pausa) Pensando bem é melhor deixar a tartaruguinha por aqui. Não vou querer lembrar da sua completa falta de entusiasmo em viagens culturais. Mas o gato não. Presente da minha mãe. Ele tem esse pescoço longo. Diferente.
– Sempre achei esse gato mais parecido com uma girafa que qualquer outra coisa. Pra falar a verdade, nunca entendi esse presente. Você odeia gatos.
– Mas adoro a minha a mãe.
– Pelo menos, nos sobrou alguma coisa em comum. Eu também adoro a velha. Digo, a minha sogra.
– Ex-sogra.
– Isso. Ex-sogra. “Como é bom falar isso. Que mantra delicioso. Ex-sogra. Ex-sogra. Ex-sogra...”.
– Não abro mão do pingüim.
– De forma alguma.
– Por quê?
– Já me afeiçoei a ele. Você sabe como eu sou carente.
– Mas quem comprou fui eu. Paguei uma fortuna.
– Comprou pra depois tirá-lo do seu habitat natural? Anos e anos de National Geographic pra nada?
– Do que você tá falando?
– Da geladeira, oras. Do que haveria de ser? Pingüins só combinam com geladeiras. E a geladeira é minha.
– Eu havia esquecido.
Mais silêncio. É a vez de Janete puxar conversa.
– Você poderia deixar também aquele seu pijama azul de algodão. Sei lá, tá tão velhinho.
– Mas é o meu favorito.
– Quem sabe só ficar com a parte de cima e eu costuro a de baixo... Daí você pode vir pegar quando quiser.
– Você acha?
– É tão civilizado. Vi num filme americano.
– Mas o meu pijama não tá furado.
– Que cabeça a minha, Claudionor! Eu tava pensando era naquela sua calça jeans da idade da pedra, sabe? Aliás, vamos combinar, parece mais um pano de chão. Eu não vou dar conta de consertá-la do dia pra noite. Sou tão caprichosa.
– Aquela calça é assim mesmo, Janete. É uma relíquia. Eu guardo só de recordação. Foi com ela que eu fui ao meu primeiro Rock in Rio.
– Que original.
– Fica com “O Abraço”, tá?
– No começo era “Fica comigo esta noite” e agora só sobrou o “Fica com o abraço”? Que palhaçada!
– Estou falando do quadro do Romero Britto.
– Ah tá, você se refere àquela réplica descarada que você comprou, no centro.
– O que vale é a intenção.
– Eu preferia as suas segundas intenções, logo que me conheceu. É colorido demais. Estou pensando numa decoração mais clean para o nosso apartamento. Retificando: o meu apartamento.
– Ele não cabe na mala.
– E por isso agora é meu? Não aceito esmolas.
– Tá bom. Então, faz o que você quiser com o quadro. Estou mesmo numa fase Beatriz Milhhazes. Difícil não rimar.
Claudionor prepara-se para fechar a mala.
– Já vai fechar o zíper?
– Nem reparei que meu fecho éclair tava aberto.
– Ai, Claudionor, fecho éclair é tão antigo. Estou falando do zíper da sua mala, tonto.
– Desculpa.
– E pára com essa mania de se desculpar por tudo. A única pessoa que tem pena de você é você mesmo.
– Bem, eu já vou indo. Acho que tô levando todas as minhas coisas.
– É melhor conferir. Daqui pra frente, vai ser difícil me achar em casa.
– Só falta o Paul, mas ele também não vai na mala. Nem poderia.
– Como assim o Paul? Paul, o nosso filho?
– Sim. O Paul.
– Você não vai fazer isso comigo, Claudionor. Separar um filho de uma mãe é um crime universal. Inafiançável. Vou ligar pro meu advogado, agora.
– Mas ele é só um cachorro, Janete.
– E daí? Podia ser um camundongo.
– Eu não vou deixá-lo aqui com você.
– E eu não vou deixá-lo ir com você.
Impasse.
– Abro mão dos finais de semana.
– Pra você ir tomar a sua “brejinha” e jogar seu futebolzinho com os seus amigos, enquanto eu fico de babá do cachorro? Não, baby. Não mesmo.
– Tá. Quinze dias com você e quinze comigo.
– Só consigo ser mãe em tempo integral. Claudionor, o Paul acaba de entrar na adolescência, tá namorando a Kelly do 502, logo vai querer constituir família. Já imaginou a bagunça que vai ser a cabeça desse cachorro, se tiver que mudar de casa, terminar o namoro, etc? Puxa, primeiro amor marca pra caramba!
– Cães são flexíveis.
– No cio?
– Não quero saber. Eu não saio daqui sem o Paul e ponto.
– Ótimo.
Claudionor desfez rapidamente a mala e sapecou um beijou em Janete. Paul vendo tudo. Orgulhoso de seus pais.

VISLUMBRE DE FELICIDADE

Faz frio em São Paulo. E eu gosto muito do frio. Combina comigo e com o meu estado de espírito atual. Tudo em mim neva. Congelo-me facilmente. E não consigo mais ficar na janela. Em compensação sou a própria janela. Pingos de chuva chocam-se contra mim. E não grito. Suporto. Aliás, tenho suportado tantas coisas. A minha lágrima não cumpre o seu percurso. Não porque não quer. Antes, petrifica-se. No meu rosto. Ali. Imóvel. Para derreter na primavera. Se não for tarde demais. E andando pelas ruas úmidas vejo uma cena incrível. Solar. Saía do supermercado com as minhas pequenas compras nas mãos. Vento. Chuva fina e intermitente. Não muito longe dali, um velhinho caminha com certa dificuldade. Não tem pressa. A vida já se perdeu de vista. Traz, no corpo, apenas um cardigã cinza. No rosto, pesadas armações que lhe conferem uma imagem de intelectual de séculos atrás. Os olhos talvez fossem claros. Cabelos brancos. Não resisti e fiquei observando tudo. Qual seria a sua intenção ao se aproximar daquela casa? Por que parou diante do portão de ferro? Eis que surge do interior um cão. Caramelo. Pêlos eriçados. Aproxima-se do portão querendo festa. O velhinho obedece. Os dois ficam ali por alguns instantes. Carinhos. Afagos na manhã cinza e fria de maio. Parecem se entender muito bem. Código do amor. Amor que não exige compensações. Apenas livre doação.

*Foto tirada numa exposição sobre o poeta Mario Quintana, no centro de São Paulo (2006).