sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

PRESENTE DE NATAL



Na classe, falavam sobre presentes. Enquanto a maioria dos meninos sonhava com um videogame, um tênis Nike, uma bola de futebol, a camisa 10 do Corinthians, Genésio não queria nada disso: “Meu sonho, professora, era morar numa rua de asfalto pra mim brincar”. E à medida que ele foi descrevendo a favela, a lama, o esgoto a céu aberto, os tiroteios, a professora encolheu-se toda, constrangida, como se tivesse cometido o mais vil dos pecados.

Pessoal, é Natal! Estou cheio de amor. Vem, cá. Dá um abraço! rs. A mensagem é bem curtinha, mas sincera. Desejo a todos um feliz Natal e que 2011 seja maravilhoso, para todos nós. Vem coisa boa por aí, acreditem. Bem, estou cozinhando, não posso demorar. Abração!!!

sábado, 18 de dezembro de 2010

O CORAÇÃO NO ASFALTO


“Olhar é um ato criador”.

Toda semana, Divina fazia aquele mesmo trajeto até em casa. Depois do expediente na fábrica, voltava sempre em linha reta. Nunca ousara experimentar outros caminhos, a esperança estava em algum dia ser recompensada pela sua retidão. Evitava até olhar para os lados. Pra quê?, sempre as mesmas paisagens. Não havia o menor interesse nas pessoas. Também, não lhe davam um único sorriso. Melhor então que fossem para sempre anônimas. Com alguma sorte, numa fila de banco, palavras vagas: “Que calor, não acha?”, no que ela concordava irrefletidamente. Nunca alguém a lhe pedir ajuda ou uma informação. Qualquer coisa para que se sentisse útil. A cabeça sempre pendida puxava o seu olhar para baixo, “Levanta essa cara, menina”, palavras da mãe nervosa que deixou em Mato Grosso. O vestido ultrapassando os joelhos lhe dava um ar infantil. Falso, mas infantil. Os cabelos sempre presos atrás daquelas orelhas pequeninas e mortas. O rosto trágico. O único sinal de vaidade era a correntinha de ouro com o pingente de cristal. Presente do pai. Confundia quase sempre humildade com pobreza. Divina caminhava um dia pela Guarani, quando encontrou uma carteira no chão. “De quem será?” – disse a si mesma numa expressão meio apagada. Olhou em torno e não viu ninguém que demonstrasse estar à procura do objeto. Uma carteira de couro vagabundo. Teve medo de entrar num daqueles bares e procurar pelo dono: “Podem mexer comigo. Deus me livre!”. Num ato de desespero, colocou a carteira dentro da sua bolsa e seguiu para casa. “Sou uma ladra. Acabo de roubar uma carteira. Sou uma ladra” – e repetia “ladra” acreditando ser mesmo uma. No vagão do metrô, sentou-se lentamente, o tempo todo lhe pesando a consciência. Tinha a impressão de que os passageiros sabiam do seu crime. Não só sabiam como se recusavam a puni-la. Por pena, o que era pior. Nunca ninguém lhe devotava respingos de amor ou ternura, apenas a compaixão crua, a obrigação escondida no “amai-vos uns aos outros”.
Divina morava num apartamento pequeno e modesto, no centro de São Paulo. Primeiro andar. Tinha pavor de altura. De elevador. De assalto. De tudo. Logo que chegou em casa, procurou descansar. Estava exausta. As pernas moles e muito finas se gastavam à toa. Quis logo abrir a bolsa, mas Carlos Magno estava faminto. Carlos Magno era o gato de rua que a aceitou indulgente como a sua dona e só por isso morava com ela. Entrava e saía pela sacada sem a menor cerimônia. Agora estava com fome e Divina tinha que ir se arrastando até a cozinha para pegar o seu leite. Ao colocar o leite do bicho na sacada, percebeu que já era noite. Carlos Magno não cabia em si de tanta felicidade. Ela, por sua vez, não conhecia nem a felicidade de si mesma. Evitava-se ao máximo. Tinha vergonha de se ver e não se gostar. Não usava batom e nem pó compacto (era do tempo do pó compacto). Mas tinha a pele morena, o que já lhe era algum luxo. Naquele dia, concentrou-se apenas no que chamou de “meu roubo”. Porque precisava de perdão, acreditou mais uma vez que era realmente uma ladra. Se não fosse o barulho da língua de Carlos Magno tocando o pires, perceberia o dilacerante silêncio que fazia ali dentro. “Tá pensando na morte da bezerra?” – interromperia mais uma vez a voz metálica da mãe. Quando deu por si, já estava abrindo a bolsa. Primeiro tocou vacilante a carteira achada e só depois vasculhou tudo que havia lá dentro. Algumas notas de dinheiro. Os documentos. Canhotos de compras. Cartões de lojas da Florêncio de Abreu. Um bloquinho de telefones... Chamava-se Floresberto. E guardou tudo novamente num impulso de ladrão pego em flagrante. “Além de roubar, também vasculho a vida alheia. Sou mesmo uma bela bisca”. E continuou se culpando. Talvez fosse melhor dormir, mas o sono nunca vinha quando queria. Não tinha fome também. Só conseguia pensar na foto de Floresberto. Moreno. Olhar debochado. Cabelos de recruta. “Dizem que o couro cabeludo do homem é muito mais oleoso que o da mulher” – e achou graça daquela informação inútil vir, assim, tão sem-hora. Talvez andando de um lado a outro do apartamento o sono viesse. “As noites me parecem perigosas, apenas com a vantagem de serem mais tolerantes” – era um bonito pensamento, até quis tomar nota, mas desistiu logo em seguida. Começou então a andar desesperada pela sala, como uma peregrina ao encontro de Deus. Onde estava mesmo Deus? As pernas quase se partindo. Tropeçou no tapete e machucou a testa. Nada grave. Era o seu próprio corpo oferecido a Ele em holocausto. O sono, enfim, chegara. Sono leve, nada de Floresberto: “Já sonhei tanto com quem não presta. Quando a gente quer um sonho bom...” – já despertou resmungando. E levantou da cama com aquela sensação de mal-estar, de ter deixado o dia anterior inacabado. Perturbava-lhe, desde ontem, a imagem de Floresberto. O ontem a esmagava. Os seus pensamentos iam e vinham, mas sempre paravam nele: “O nome seria a mistura de Flores e Alberto ou Flores e Adalberto?” – questionava-se. A vantagem de ser, assim, tão inútil era poder reconhecer a sua pobreza de espírito, mas isso ela já fazia muito bem, obrigado. Tomando para si a carteira de identidade do rapaz, ficou um bom tempo olhando a foto dele. Depois voltava a escondê-la porque temia os seus próprios pensamentos “pecaminosos”. Mas logo a resgatava da gaveta e tudo recomeçava outra vez. Queria amar Floresberto. Estava decidida. Amar com a intensidade de quem ama pela primeira vez. Ele a inaugurara para o amor. Tinha que ser ele. Seria ele. A faxina do sábado foi feita na presença dele. O pequeno pão com sardinha e o copo de Fanta foram degustados sob o olhar intacto dele. Se não percebia as moscas sobre os restos do pão era tão-somente por distrair-se pensando nele. Já o faminto Carlos Magno conheceria pela primeira vez a indiferença. O seu reinado chegara ao fim. Divina agora apenas o suportava. Nada mais.

E as horas passaram depressa. No domingo pela manhã, ela decidiu ligar para ele. Havia um telefone no bloquinho de endereços e também o nome da rua, o número da casa, o bairro, etc. “É mesmo o Destino ou prevenção?” – indagou-se, antes de descer as escadas. Ainda vacilou diante do orelhão, na esquina, mas sobressaiu o seu desejo incontido de ouvir a voz do “seu homem”. Pouca coisa, mas tudo em sua vida não era sempre assim, tão pouco?. “Alô? Alô?? Alô???” – Floresberto, impaciente diante da mudez de Divina, desligou o telefone e voltou a dormir. Ela, ao contrário, chegou em casa com a sua recente felicidade desesperada. A voz dele era bonita. Grave. De homem. Ligou o pequeno rádio e procurou uma música qualquer. Não sabia dançar, mas se imaginou dançando com ele. Uma valsa. E saiu à procura de algum espelho. Pela primeira vez gostou de se ver. Não era de fato feia. Também não era bonita. Passou a mão no cabelo como quem faz um carinho. Imitou algumas poses de revistas. Imaginou a sua boca com um vermelho intenso, sedutor. Os olhos muito pretos, sombreados. Voltou a pensar numa presilha para o cabelo. Não os queria tão presos quanto antes. Procurou no guarda-roupa um vestido estampado. Tinha apenas um. Flores bem miudinhas. A sandália rosa estava de bom tamanho. Pronto. Esticou cuidadosamente a roupa no sofá. Escolheu até uma “combinação” nova. Não que Floresberto fosse vê-la despida já no primeiro encontro, mas Divina queria se saber usando uma calcinha e sutiã novos.

Na segunda-feira, no primeiro horário, ela seguiu para o Jabaquara. No metrô, abriu com cuidado a carteira e olhou de relance para a foto de Floresberto. “Ah, meu Floresberto!” – suspirou. Estava se sentindo uma mulher de verdade, sobrando em predicados. Atravessou a estação e foi até um taxista parado ali perto. Disse onde queria ir e entrou no táxi: “Não posso desistir agora”. As mãos suando. Tantos planos para os dois. O primeiro final de semana seria na praia. Sempre quis ver o mar, mas ninguém nunca a convidara para um passeio em Santos. Os verões se repetiam e ela sempre trancada naquele seu velho aquário. “Foi assim, como ver o mar / A primeira vez que meus olhos / Se viram no seu olhar” – cantarolou bem baixinho. Imaginava cada detalhe do corpo dele. Sentia calafrios. “Passando mal, moça?” – interrompeu o taxista. “Não, senhor. Uma indisposição passageira” – disfarçou, se recostando no banco. Minutos depois, ela já estava em frente à casa de Floresberto. Aproximou-se do portão. Recuou. Foi parar no outro lado da rua, a pretexto de observar melhor o imóvel. No fundo sabia que era o medo do desconhecido. A casa era simples, mas bem cuidada. Tinha um pequeno jardim com roseiras. Um painel de azulejos com a imagem de Nossa Senhora de Fátima. “E ainda é religioso!” – estava com sorte. “O nosso primeiro beijo vai ser exatamente como o daquelas duas estátuas que vi no Centro. Longo” – não parava de imaginar. A rua estava praticamente deserta àquela hora da manhã. De vez em quando, o barulho de algum avião cruzando o céu, momento em que Divina levava a mão ao peito: “Valha-me Deus!”. Com aquela sua mania de andar sempre com os olhos fixos no chão, descobriu no asfalto o que considerou ser um sinal “divino”, um coração. “Sim, é um sinal! E dá pra ver que tem uma flecha transpassada. A flecha de Cupido! Como é mesmo a lenda?...”. Não se lembrava, mas os versos de Fernando Pessoa ainda estavam escritos em sua memória. Tinha-os na contracapa de um caderno, nos tempos do colegial, e decorava-os nas aulas de química: “‘Uma Princesa encantada / A quem só despertaria / Um Infante, que viria / De além do muro da estrada’... Eu sou a Princesa. Eu!” – e concluiu num meio sorriso, para que não a achassem tão louca. O tempo passava depressa e Divina não queria mais esperar. “Amar exige coragem” – sentia-se inspirada. Ainda do outro lado da rua, viu sair de dentro de casa um homem sem camisa. Calção de esportista. Divina não teve dúvidas, era ele. O mesmo cabelo de recruta. O olhar menos debochado, talvez com sono. O seu Floresberto. O coração dela disparou e, imediatamente, um sorriso franco lhe brotou dos lábios. “Que pensem que sou louca! Louca! Eu amo!” – vibrava. Aquilo é que era ser feliz? Divina então queria ser feliz para sempre. Floresberto pegou o jornal do chão e fez um movimento de retorno ao interior da casa. Divina tirou logo a carteira dele da sua bolsa e ensaiou a partida. Não houve tempo. Saiu de dentro de casa uma loira muito fresca, alva, bem feita de corpo. Beijaram-se ali mesmo. Pareciam apaixonados. Divina recuou confusa. Quando deu por si, a mulher já havia atravessado o portão e dobrado a esquina. Floresberto desaparecera também. Como num sonho. Ela ficara agora ali, parada, impassível, digerindo a sua tristeza. Conheceu o amor e a traição a um só tempo. Restava-lhe apenas a dignidade de avançar ultrajada em direção ao portão. Foi o que fez, depois de retirar todo o dinheiro que havia na carteira do infeliz e devolvê-la à sua porta. Em seguida, entrou num táxi. E aquele coração continuou lá, desbotado. No asfalto.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O ESTILO CLARICE




Se estivesse viva, a escritora Clarice Lispector completaria hoje 90 anos! Ontem, fez 33 que ela morreu. 2010 foi um ano praticamente todo dedicado a ela, com muitas homenagens, discussões em torno da sua obra (que são inesgotáveis!), os lançamentos de uma ótima biografia e fotobiografia, peça de teatro, a notícia de um filme que deve ser lançado no ano que vem, um certo oportunismo aqui e ali também, claro, mas o mais importante é que ela foi bastante reverenciada e tenho certeza de que conseguiu arrebatar muitos novos leitores. Pra mim, o resultado foi bastante positivo. Clarice é a minha escritora brasileira favorita (“Eu, enfim, sou brasileira, pronto e ponto”), o que não é nenhuma novidade para quem me conhece ou me lê, mas o que me motivou a escrever o post de hoje foi menos a data em si do que uma informação até banal: a importância da moda na sua vida. A motivação veio de uma entrevista do seu mais novo biógrafo, o norte-americano Benjamin Moser: “A coisa mais engraçada foi que uma loja de moda, J. Crew, batizou um sapato desta estação com o nome de Clarice!”.

Um sapato com o nome de Clarice? Convenhamos, é bastante curioso, não? Já li várias reportagens que dão conta do poder da imagem dela sobre as pessoas. Não raro, esses privilegiados se referem a esse momento como uma espécie de “acontecimento”. A artista plástica Maria Bonomi, por exemplo, que em 1971 Clarice a definiu numa crônica como sua “gêmea de vida” e que tive a oportunidade de conhecer, no ano passado, justifica essa impressão: “Clarice era uma mulher linda. A gente entrava no restaurante e não havia quem não quisesse pagar o almoço”. O editor Pedro Paulo de Sena Madureira concorda: “Quando ela entrava num ambiente, mudava a direção do ar”. E não eram apenas os seus traços exóticos que provocavam esse “reboliço”, mas também a sua permanente elegância. Vaidosa, Clarice provocou ao dizer que preferia que saísse um bom retrato seu no jornal do que os elogios. Quanto a isso, ela não poderia se queixar, afinal sempre se apresentava de forma impecável e as suas imagens nunca deixaram de reforçar o mito. No entanto, a ausência do sorriso em praticamente todas elas tinha uma razão especial. Quem me contou essa história foi a própria escritora Lygia Fagundes Telles, amiga de Clarice. Ambas conversavam também sobre cosméticos e moda: “Clarice uma vez me disse (imitando a língua presa da amiga): Lygia, não sorria nas fotos!, as escritoras precisam ser levadas a sério”.

Investigando essas fotografias, percebemos um gosto especial pela maquiagem pesada (cílios postiços, delineador, batom vermelho), o que seria a maior marca do seu estilo. Destacam-se também os vestidos estampados e as camisas listradas (como a da famosa entrevista à TV Cultura em 1977) ou de poá ou gola rulê. A foto mais dissonante é talvez uma em que ela aparece com um casaco de pele, na capa de um livro de textos seus selecionados e que, ao invés de se parecer com uma diva, ficou com cara de vamp. Não podemos esquecer também os acessórios: pérolas, bijuterias e óculos escuros. Os cabelos estâo sempre bem penteados. Enfim, uma referência de moda e bom gosto. Em muitas dessas imagens, Clarice está com um inseparável cigarro (da marca Hollywood). Aliás, foi um cigarro que, de certa forma, provocou também uma ruptura no seu visual. Na década de 60, depois de dormir com um deles aceso e ter o quarto incendiado e o próprio corpo gravemente ferido, Clarice passou maus momentos num hospital, onde fez cirurgias plásticas numa das mãos, mas, a partir daí, nunca mais foi a mesma. Desde então, ficou mais recolhida e adotaria também uma forma de se vestir mais “sombria”.

É inegável que tamanha vaidade vinha de sua própria natureza. No conto “Restos de Carnaval”, por exemplo, é emblemático o motivo que leva a menina (Clarice?) a querer se fantasiar de rosa: “ser outra que não eu mesma”. Não posso afirmar, mas suponho que o modo como ela se vestiu, ao longo da vida, talvez tivesse a mesma intensão. Considero oportuna também uma de suas frases, extraída de algum suplemento feminino, onde ela ataca a vulgaridade com sofisticação: “A mulher elegante não salta aos olhos de quem passa. Elegância não é acompanhar a última moda, mas estar sempre usando aquilo que lhe cai bem”. Muito moderno para um tempo em que a moda brasileira estava apenas engatinhando. Sugiro também a um de nossos estilistas que traduza o estilo da escritora em alguma coleção e não tenho a menor dúvida de que não há ninguém melhor para fazê-lo do que Ronaldo Fraga. O sucesso será garantido. Parabéns, pelo seu dia, exuberante Clarice!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

ABRINDO O ZÍPER DA MPB


Rodrigo Faour é jornalista, pesquisador, crítico, produtor musical e autor dos livros: “Bastidores – Cauby Peixoto: 50 anos da voz e do mito” (2001), “Revista do Rádio – Cultura, fuxicos e moral nos anos dourados” (2002) e do pioneiro “História Sexual da MPB – A evolução do amor e do sexo na canção brasileira” (2006), livro que deu origem ao programa homônimo no Canal Brasil, na sua segunda temporada, e outro na rádio MPB FM (carioca),“Sexo MPB”. É também responsável pelo processo de revitalização do acervo das principais gravadoras brasileiras, organizando coletâneas de cantores pra lá de consagrados como Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Caetano Veloso e Dolores Duran (só para ficarmos nesses quatro). Rodrigo acabou de lançar a sua segunda biografia, “A bossa sexy e romântica de Claudette Soares”, pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. E foi depois do lançamento do livro, em São Paulo, que nos encontramos para um bate-papo rápido e descontraído sobre um assunto que ele domina como poucos: música popular brasileira.

“De la musique avant toute chose”, mesmo?

Sim. A música é minha água, meu sangue mesmo. Vida. Por isso adoro unir tesão e MPB, no mesmo balaio. Pra mim, são sinônimos. Mas não qualquer MPB, mas, sim, “a” MPB que me interessa.

Como surgiu a ideia do delicioso “A bossa sexy e romântica de Claudette Soares”?

O livro nasceu por causa do CD duplo A bossa sexy de Claudette Soares, que produzi em 2006, resgatando as gravações super modernas e pop que ela fez, no final dos anos 60, na Philips, com arranjos de Antonio Adolfo, César Camargo Mariano e Rogério Duprat. No encarte, eu escrevi um texto a seu respeito e ela ficou encantada. Daí, me convidou para escrever este livro e eu aceitei e batizei de A bossa sexy e romântica de Claudette Soares porque ela também desenvolveu um lado romântico mais sério em sua obra, que eu gosto menos, mas que também marcou muito para o público dela, tanto que seu maior sucesso foi a balada (tristíssima) De tanto amor, de Roberto & Erasmo, em 1971.

Você não me parece ter sido aquela criança retraída, “na janela”, como o poeta Mario Quintana. O que você fazia nessa época, espiava pelo buraco da fechadura?

Fui uma criança agitada e alegre. Depois passei uma pré-adolescência e adolescência difíceis, com muitos conflitos por ser um pouco diferente dos outros garotos, com gostos, educação, atitudes e responsabilidades.

O seu livro mais popular, o “História Sexual da MPB”, pode ser chamado carinhosa ou maliciosamente de “Kama Sutra da MPB”?

Obrigado pela parte que me toca (risos). Acho que ambos. Na parte comportamental, há questões mais sérias que levanto, ao mesmo tempo em que tem pitadas maliciosas, tesudas e também um convite à reflexão do que buscamos no amor e no sexo em nossa vida.

Há alguma música de duplo sentido que você considere a mais ousada ou um daqueles funks beeem pesadões?

Cito logo a pioneira “Boceta de Rapé”, da primeira década do século passado. Aliás, ela está no meu CD duplo, Sexo MPB com Rodrigo Faour, recém lançado pela EMI. Esta não deixa a desejar a nenhum funk.

Se você fosse a Leila Diniz que palavrão você diria agora?

Caralho!!!

E essa alegria interminável? Você nunca parou e disse “meu mundo caiu”? Nunca fez análise, nunca ficou carente, triste, tomou remédios para dormir...?

Sou mais alegre, mas também sou melancólico e reflexivo, sofro a mesma solidão dos artistas que, num dia, cantam ou se apresentam para milhares de pessoas e, no outro, se vê sozinho num quarto de hotel ou na sua própria casa, num sábado à noite. A gente nasce e morre todo dia. A Angela Maria me disse isso uma vez e concordo com ela.

Por você saber tanto sobre MPB, as pessoas normalmente não o abordam ao estilo “Essa Noite se Improvisa”? Eu mesmo já fiz isso (risos).

Sim. Faz parte. Eu gosto. Me divirto muito com música.

E nunca pensou em cantar profissionalmente?

Comecei cantando. Meu sonho era ser cantor, mas sou muito autocrítico, por isso acho que sou mais útil ao país sendo produtor, escritor e pesquisador musical.

Você prefere como os paulistanos se vestem ou como os cariocas se despem?

Adoro pouca roupa. No Rio, vivo seminu o dia todo. O máximo de luxo em ser carioca da zona sul é ir ao banco sacar dinheiro de sunga. É o máximo!

Quem você acha que é o cantor “Divino Maravilhoso” da MPB?

Cauby.

Por quê?

Porque ele soube se renovar e conservar a voz bonita por 60 anos. Tenho muito orgulho de ter escrito a sua biografia.

E pra quem você cantaria “Carcará”?

Pra você. De preferência imitando Maria Bethânia, intérprete definitiva da canção.

Por falar em Bethânia, porque os gays gostam tanto dela, hein?

Não só dela, mas de todas as grandes cantoras. São mulheres fortes, exuberantes e, não raro, teatrais. Faz parte da cultura gay.

E o que você tem cantado no chuveiro?

Matriz ou Filial, Na Baixa do Sapateiro, O Primeiro Clarim...

E pra terminar... “Quando o sexo acaba, tudo desaba”?

Depende da expectativa. “Amor é bossa nova, sexo é carnaval”.

Não dava e também não era a minha intenção fazer uma investigação profunda sobre o trabalho do Rodrigo, o importante mesmo é ler os seus livros, cuja narrativa é sempre muito leve, divertida, com muita informação (“História Sexual da MPB” é um primor do gênero, não é à toa que tem o aval do escritor Ruy Castro), assistir ao programa dele no Canal Brasil (tem vídeos no site do canal), ouvir o da rádio, seu CD duplo (que é ótimo, sobretudo o primeiro), mas, claro, quem quiser saber mais novidades sobre o trabalho dele basta acessar o seu site oficial (está entre os meus favoritos). O que não posso deixar de ressaltar mesmo é que o Rodrigo é totalmente apaixonado pelo que faz e não mede esforços para realizar os seus inúmeros projetos. Claro, que suas palavras podem ser também manejadas como machado, “comigo é 8 ou 80, não tem meio termo”, ele costuma dizer, mas, quando elas entram em cena, é tão-somente para protestar contra falsos talentos, protegidos da mídia, pela falta de letras transgressoras na atual MPB, etc. Mas nada que o faça perder o humor. Comecei o nosso papo com aquele célebre verso do poeta Paul Verlaine, “Antes de tudo, a música”, e recorro agora a outros dele também: “Lembro-me / Dos velhos tempos / E choro”, porque esses livros do Rodrigo só vieram confirmar o que eu já sabia: o melhor da nossa música continua ainda, no passado.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

DIA DE COMBATE À AIDS


Lady Gaga, Alicia Keys e Elijah Wood morreram de mentirinha esta semana numa campanha bem bolada de combate à AIDS. Eles só devem retornar à vida digital, depois de arrecadarem US$ 1 milhão, para ajudar os infectados pelo HIV da África e da Índia. Não deu para fazer o mesmo, claro, e também não tive tempo de produzir nada muito especial, mas, por outro lado, gosto também de fazer coisas de improviso, por isso quando vi a imagem da camisinha gigante não tive dúvidas, recortei a danada e sapequei sobre um quadro meu. O slogan veio, assim, num jorro (com o perdão do trocadilho rs): #Não importa o tamanho, tem que usar. Mais direto e sugestivo impossível. Volto em breve. Devendo várias visitas, enfim,... Abração!