quarta-feira, 14 de novembro de 2018

AS ESTATÍSTICAS...


Pensei algumas vezes se deveria escrever este post ou não, mas terminei me convencendo de que seria importante. Na semana passada, lancei no canal da minha pequena produtora de cinema independente Mar de Ideias, no You Tube, o curta-metragem “A Prateleira” e, embora a recepção, de modo geral, tenha sido muito boa, vieram algumas críticas negativas também. Normal para quem está nesse meio, mas talvez seja o momento de lavar essa roupa suja, aqui mesmo.

O curta está BEM AQUI, ou abaixo do post. “A Prateleira” é o meu quarto curta-metragem e conta a história de um rapaz que está sozinho em casa e o cunhado pede para ele colocar uma prateleira, no quarto da filha. Bom, nesta hora, algo inesperado acontece. O filme trata de um tema bastante sério e delicado: estupro. Segundo dados recentes, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no Brasil. Só 10% desses casos chegam a polícia. Não dá pra ignorar isso, não é mesmo? 

Ao optarmos por uma linguagem que fugisse de filmes institucionais fofos, porque acreditamos que a garotada precisa, sim!, de um choque de realidade, desagradamos algumas pessoas e fomos criticados, até mesmo por pessoas da nossa equipe e que participaram de todo o processo do filme. Quanto a isso, apenas lamento. Em nossa defesa, posso dizer que, em momento algum, erotizamos a cena do estupro, aliás, essa foi a nossa maior preocupação. E, se não fomos didáticos o suficiente, é porque acreditamos num cinema que não subestima a inteligência das pessoas. 

Nessas críticas, me chamaram atenção o tom conservador e eu diria até falso moralista, de algumas pessoas. Mas os sinais já estavam bem claros, há algum tempo, também. Exposição queer ganhando noticiários sob o “horror” de uma parcela hipócrita da sociedade que consegue admirar “A Origem do Mundo”, em Paris, mas não tolera ver uma obra chamada “Criança Viada”, no Brasil. E tantos outros retrocessos, sem o menor sentido e que farão cada dez mais parte desse novo momento, “Brasil, ame-o ou deixe-o”. “Deveríamos nos precipitar de vez nas águas”, como disse Drummond, mas vamos seguir em frente. 

Só voltando um pouco ao tema assédio e abusos sexuais, que nortearam a existência do nosso curta, cabe aqui registrar uma cena ridícula protagonizada pelo Silvio Santos, no final de semana passado, durante o Teleton. Vocês já devem ter assistido ao vídeo. De forma grosseira e deselegante, ele recusou um abraço da cantora Claudia Leitte, alegando que ela o deixaria excitado. Pior, com a esposa e uma das  filhas, na plateia. Rindo de nervoso. Sei que muitos vão achar exagero veicular esse episódio lamentável a um texto que começou falando de estupro. Não é. Esse tipo de pensamento machista e vergonhoso, disfarçado de brincadeira, constrange as mulheres. Não é nada engraçado e encoraja outros machistas. 

E o mais absurdo é que estamos assistindo a tudo isso, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Frases como “Você não merece ser estuprada porque é feia”, lembram disso?, “Vou te quebrar ao meio”, “Não vou te abraçar porque você vai me deixar excitado”, são só alguns exemplos. E por mais que se tente alertar as pessoas, como é o nosso caso, ainda podemos ouvir: “ah, tudo agora é tão politicamente incorreto”. Enquanto isso, as estatísticas... 

terça-feira, 6 de novembro de 2018

UM PIANO CHAMADO "NASCE UMA ESTRELA"



Sim! Estou de volta. Foram dez anos de blog (como o tempo voa!) e ele já estava meio esquecido, né? Pretendo postar com mais frequência, por aqui, até porque estou numa nova fase da minha vida e escrever sempre foi, entre outras coisas, passar a minha vida a limpo, me reconectar comigo mesmo. Então, vamos lá. Se vão ler ou não, é uma outra história. O que importa mesmo é que o prazer de escrever venceu!

E esse retorno traz, de cara, as minhas impressões sobre um filme que acabei de assistir e que ainda está dando o que falar: A Star is Born (Nasce Uma Estrela), com a Lady Gaga no papel principal e o Bradley Cooper dirigindo e atuando. O filme é um carrossel de emoções, nem sempre muito bem conduzido, mas vou tentar resumir o que eu acho que vale a pena e o que não é tão bom, assim. Mas, claro, isso jamais deve tirar o prazer de vocês de conferirem, ok?

Pra começar, não sou o maior fã de musicais. Mesmo! Mas sendo fã de carteirinha da Lady Gaga e pipocando críticas excelentes sobre o filme, não tinha como escapar. O filme é um remake (o primeiro, se não me engano, é de 1937) e mostra a ascensão de uma compositora insegura, meio desengonçada, chamada Ally (Lady Gaga), enquanto o cantor já consagrado, por quem ela se apaixona, Jackson Maine (Bradley Cooper), se afunda no álcool. Dito assim, parece o maior dos clichês. E é. Mas alguém um dia já disse também que clichês só existem porque funcionam, né? Eu acredito muito nisso.

Vou logo avisando, o roteiro é o grande problema do filme. Fraquíssimo. Enquanto os números musicais, especialmente com a Lady Gaga, são emocionantes e poderosos, falta à história de amor dos personagens alguma coisa, química?, talvez. Claro que a Lady Gaga era o grande trunfo e ao mesmo tempo o grande problema da produção. Como convencer as pessoas de que a Lady Gaga não era a Lady Gaga, né? E eles tentaram. E durante boa parte do filme até conseguiram. Ela aparece mais cheinha, o cabelo natural, pouca maquiagem... O visual causa um certo impacto, pra ser bem sincero, mas a personagem não tem carisma. Canta maravilhosamente bem, mas não tem aquilo que é fundamental para uma estrela. Por causa disso, o filme se arrasta.

Por outro lado, embora o roteiro contenha falhas imperdoáveis, gostei bastante do argumento. Não vi ninguém ressaltando isso, mas é nítido que o filme tem um viés feminista importante e eu diria até marqueteiro, depois de todas aquelas denúncias de assédio na indústria do entretenimento, nos Estados Unidos, com o #metoo, etc. Isso se dá da seguinte maneira: quando Ally começa a ganhar status de pop star, Jack se sente diminuído e a humilha, por pura inveja. É apenas, neste tímido embate, que encontramos as melhores cenas do filme. O resto não contribui muito para a evolução do mesmo. Uma pena.

Vou além. O maior buraco é a falta de motivação dos personagens. Jack passa o filme inteiro, por exemplo, com a cabeça baixa. Chega a dar aflição! Mas não é exatamente esse o problema. Apesar do gestual repetitivo, me interessa mesmo saber de onde vem aquele comportamento autodestrutivo. Não fica claro. Outra coisa, Ally não conseguiu decolar, antes, por que tinha apenas “um nariz grande”? Oi??? No mínimo, poderia ter sido ignorada num desses programas tipo American Idol e depois fazer um comeback glorioso, com a ajuda do amado. Seria muito mais convincente, não é mesmo?

Mas a parte boa é que não faltam ótimas canções que distraem o espectador mais atento dos muitos deslizes do filme. Eu mesmo, já estou providenciando a minha trilha. Mas quem espera uma produção à altura do capricho dos trabalhos da cantora, pode se frustrar um pouquinho. No conjunto da obra, soa apressado e se resume numa frase inspirada no próprio filme: Nasce Uma Estrela é o piano nas costas, carregado (felizmente) pela Lady Gaga.