domingo, 17 de outubro de 2010

NÃO HÁ NADA DE NOVO

A política não é a coisa mais importante, é apenas a que mais sai nos jornais. Exatamente porque os donos dos jornais são políticos. O problema político é impedir que os homens de negócios tomem o poder. Nietzsche



Bocejo. Antes mesmo da campanha eleitoral começar, vim aqui bastante entusiasmado registrar as minhas expectativas, porque, de fato, esperava uma “corrida ao ouro”, empolgante, com ampla discussão de programas de governo e com uma participação calorosa dos internautas. Claro que também torcia por uma briguinha ou outra entre os candidatos, afinal faz parte do jogo político, do folclore das campanhas, mas não esperava esses debates mornos, sem graça, com o verbo no passado imperando. Nem Proust chegaria a tanto. Os internautas continuam fazendo sua parte. Recebo, diariamente, e-mails pró e contra os dois candidatos. As redes sociais das quais faço parte viraram palanques disputadíssimos, mas ainda estou em cima do muro, curtindo a minha mudez “verde”. Para os que me acusam de pessimista, digo apenas que conservo aquela expectativa de final de novela das oito (aquelas de antigamente, claro), esperando uma reviravolta a qualquer momento. Aliás, infelizmente, nem posso assistir à segunda reprise de Vale Tudo, mas já li que a novela está “bombando”, nas madrugadas. Essa novela do Gilberto Braga esteve no ar sempre em momentos políticos decisivos. Em 1988, no ápice do processo de redemocratização e, em 1992, no bota-fora do ex-presidente Collor. Voltou agora, em 2010, nas (?)...

E nem a alta popularidade do presidente Lula tem assegurado à candidata petista uma folga nas pesquisas. Muito pelo contrário. Nada está decidido até o momento. Ninguém pode cantar vitória. Mesmo assim, o discurso dela ainda está amparado nas conquistas sociais do governo atual. Só falta mesmo, depois de exausta, desabafar: “Vocês não entenderam ainda? Eu sou o Lula, amanhã”. Não ficarei nada surpreso, mas, ainda assim, não me convencerá, porque ela não tem o carisma indisfarçável do presidente. Sem contar que tem tanta dificuldade para sorrir quanto um Rubem Braga. E o que pra mim é o mais grave, a sua imagem ainda é muito dura para um país que historicamente está ligado a figuras femininas afetuosas, leiteiras: à mãe lusitana que nos concedeu o bem maior da “descoberta” e da civilização, à mãe África que nos deu seus “trabalhadores” fortes e inesgotáveis e, finalmente, à Nossa Senhora Aparecida a quem os cristãos católicos clamam sempre, na hora do desespero. E foi para a Igreja que Dilma se voltou, quando desmentiu, às vésperas do primeiro turno, ser favorável à descriminalização do aborto. De feminista poderosa se transformou numa carola do século passado. O aborto ganhou a gravidade de uma peste negra e esteve nos discursos mais hipócritas. E não me espantaria saber que milhares de aborteiras, país afora, correram para algum confessionário, receosas de que não chegariam ao Céu.

O candidato tucano José Serra, certamente, deve ter lido “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”. Conseguiu conquistar o apoio da classe-média alta, tem feito a cabeça de boa parte da classe artística e é visível que ganhou a simpatia dos principais meios de comunicação. E isso, para o bem ou para o mal, conta muito. Até decisivamente. A história está aí para provar. A campanha dele passou a ser mais agressiva, o seu discurso até sugere mais segurança, mas também tem lá suas falhas. Defende, por exemplo, o ensino técnico, com ênfase, mas não consegue explicar o colapso no ensino público do estado que governou. Não admite que o seu partido errou ao criar e insistir na “progressão continuada”. Atira para todos os lados com promessas salvadoras. O grevista de amanhã pode ser o seu eleitor, no dia seguinte. E com o apoio de um famoso líder messiânico, uma espécie de Flávio Cavalcanti do protestantismo brasileiro, não deve se livrar de uma saia justa com o seu eleitorado mais “moderninho”. Pra mim, esse tipo de associação soa meramente eleitoreiro, oportunista. Política e religião nunca deveriam se misturar. É muito poder concentrado. Não vi também com bons olhos o “santinho” do tucano sendo distribuído com o carimbo da Igreja Católica. Espero que isso não seja um recado a la “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.

O sono chegou. E não vou poder acordar só depois do segundo turno. Amanhã, as pessoas não terão nada de extraordinário para comentar sobre o debate. Ninguém com ânimos exaltados, na padaria. Nem vivemos mais esses tempos radicais, não é mesmo? Nietzsche tem toda razão, “a política não é a coisa mais importante, é apenas a que mais sai nos jornais”. E eu não comprarei os jornais, amanhã. Talvez releia “Diretas Já!”, do Henfil, e comemore o único consolo possível: “Vivemos numa democracia!”. Ou quem sabe ouça “Imagine”. Bem alto. Mas insisto, não há nada de novo.