sexta-feira, 27 de abril de 2007

O COLECIONADOR DE HISTÓRIAS

*“O real é tão imaginário que o falso se torna verdadeiro”
Ignácio de Loyola Brandão

Sexta-feira. Dia irresponsável. O sol inclemente. Como de costume, andava sem grandes ambições pela Av. Paulista, o tapete financeiro da cidade de São Paulo. Anônimos indo e vindo de um lado para o outro. Nada extraordinário. Apenas um casal me chama atenção. Conversavam atentos, encostados a uma mureta, próximos à estação do metrô. E dava pra ver que tinham intimidade. “Qual será o assunto?” – me perguntei de chofre, no alto da minha sutil curiosidade. Fui chegando como quem não quer nada. “Segredos de alcova? Só pode”. Desviando sempre o olhar. Disfarçando. Murmurei um: “Meu Deus, que calor é esse?”. Apenas para aparentar naturalidade. Susto. A moça fez um meneio de cabeça. Em seguida, continuou de onde havia parado. Ufa!
– Ela tinha uma dessas belezas enjoativas, mas suportável. Tipo Ana Paula Arósio, sabe?
– Boneca de porcelana.
– Estava mais pra bonequinha de luxo, se é que você me entende.
O rapaz sorriu sem vontade. Eu comemorei. “Mais. Mais. Mais. Continuem”.
– Namorava um cara humilde. Uma pedra de ouro. Só tinha um único defeito, era pobre. E pobre nasceu condenado à figuração. Infelizmente.
– E ela sonhava com um príncipe. Já vi esse filme.
– Sonhava nada. Queria. De Ferrari e tudo. Só as honestas sonham.
– E se conheceram onde?
– No trabalho. Era patrão dela.
– E o outro?
– O outro era o patrão. O Namorado? Coitado. Ia buscá-la, todo dia, às seis horas da tarde. De vez em quando, ainda passavam numa igreja. Ela dizia que queria se casar de branco e tudo. Pode uma coisa dessas?
– Sem vergonha.
– Põe sem vergonha nisso. Eu os apresentei, na escola. Carrego essa culpa até hoje, Lourival.
– Mas e aí? O namorado descobriu?
– Vamos indo. A nossa hora de almoço já está acabando. Eu te conto, no caminho. Descobriu, sim.
“Logo agora?”. Levantaram e caminharam até um prédio que ficava a poucos metros dali. Fui atrás. Na portaria, me barraram.
– Aonde o senhor deseja ir?
Olhei atônito para os lados, depois para o casal que ainda conversava, enquanto o elevador não vinha. Por sorte, vi o nome de uma imobiliária, numa pequena placa, que enfeitava (ou enfeava?) uma parede morta.
– Imobiliária Cruzeiro do Sul.
– Seu RG.
– Estou com um pouco de pressa.
Enfim, o crachá. Levantei os olhos e ainda os vi entrando, no elevador.
– O elevador! Segurem o elevador! Eu preciso entrar nesse elevador – gritei desesperado.
Ofegante. Coração aos pulos. Gotinhas de suor descendo em cascata pela minha testa.
– Muito obrigado.
Entreolharam-se e nada disseram. Para minha decepção, já não conversavam como antes. Ainda insisti:
– Poderiam repetir o final? Só o final.

*Do perturbador e fascinante “O homem que odiava segunda-feira”, de Ignácio de Loyola Brandão. O escritor também inspirou “O colecionador de histórias”.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

PRIMEIRA PESSOA

Tentei fugir ao máximo do lugar-comum primeiro-post-falar-de-si-mesmo, mas, pensando bem, é a melhor forma de vocês entenderem o meu MUNDO IMAGINÁRIO. Espécie de *Pasárgada virtual que, a partir de agora, divido com vocês.

Fui inaugurado pra vida, no dia 25 de março de 1980. Nasci sob o signo de Áries. **Consegui, hoje, estar em paz com a minha guerra, mas ainda não venci o obstáculo da perfeição. Aceito os protestos, mas ouso declarar. O que dizem os astros só enfeitam a vida. A minha cor favorita é o vermelho.

Nasci para amar e escrever. As minhas duas salvações. Não aprendi direito nem uma coisa nem outra. Amo o que posso e escrevo pra me libertar de ser apenas eu. Atualmente, os meus personagens querem existir. São muitos. E não tenho pressa. Tenho fome é de aprender. E leio sempre. Leio tudo que vocês possam imaginar. Tenho também um caso de amor com a Língua Portuguesa. Digo caso porque vivo flertando, sem sucesso, com outros idiomas. Sou formado em Letras e dei aulas, durante dois anos incansáveis. Experiência que devo voltar a repetir, um dia. Claro, se a minha vida for longe. Ou nem tanto. Já escrevi também, por um bom tempo, resenhas literárias, num portal bacana da internet brasileira.

Domino muito bem o universo das letras, mas me recuso a fazer uma coisa só. E detesto rótulos. Escrever apenas romance, ou contos, ou poesia, ou crítica literária, ou peças de teatro, ou longas, ou curtas, ou novelas, ou séries, etc. Ficaria muito limitado, se escolhesse apenas um caminho. Optei, então, por fazer um pouco de tudo. De escrever um pouco de tudo. De misturar prosa e poesia. De mesclar linguagens. De experimentar o moderno com o barroco. Exemplo. Estou revisando um romance que comecei, em 2001, onde predomina a linguagem cinematográfica. O resultado está sendo fantástico! Marceneiro. Arquiteto. Pintor de telas e de paredes. Cozinheiro. Diretor de teatro. Compositor. Publicitário. Assistente em agência de modelos... Fui e posso ser várias coisas. Graças a Deus.

Por que um blog? Porque acho bacana ter um espaço para debater criação, além de expor minhas opiniões e memórias, sem, necessariamente, estarem ligadas a imagens minhas. Continuo sendo apaixonado por fotografia. Vou manter o fotolog /fauguaruja, mas não devo postar nele com freqüência. Espero que este espaço me cative e não me escravize. E que escrever, aqui, seja mais prazeroso do que constante. Críticas e sugestões são sempre bem-vindas! É isso aí, pessoal!

*Alusão ao poema “Vou-me embora pra Pásargada”, de Manuel Bandeira. Para o poeta pernambucano, Pasárgada é um lugar mítico, símbolo das aspirações que se realizam.
**Referência explícita a uma frase da escritora Lygia Fagundes Telles, em “A disciplina do amor”.