quinta-feira, 27 de maio de 2010

CLARICE E O SENTIDO DE AMAR






Como havia prometido, voltei para concluir as minhas impressões sobre o meu domingo, na Virada Cultural, em São Paulo. O gran finale ficou por conta da peça Simplesmente Eu, Clarice Lispector, que está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, até 20/6, mas já soube que os ingressos estão esgotados. O meu, por exemplo, foi comprado com um mês de antecedência. A intensa procura é justificada não só pela própria Clarice, essa escritora instigante e que suscita em nós, leitores apaixonados, uma espécie de devoção, mas também pela brilhante e delicada atuação de Beth Goulart, prêmio Shell 2009 de melhor atriz por esse espetáculo. Atuação é muito pouco para resumir o trabalho dela, Beth teve que fazer uma exaustiva imersão na obra da escritora, começando por reler os seus livros, depois “costurar” os textos e, enfim, devolver ao espectador o máximo de Clarice. A mulher, a mãe dedicada, a escritora frágil, a figura egocêntrica, o mito, está tudo lá, em relevo e nas sutilezas, para quem não “esmaga as entrelinhas” e para os distraídos também, basta fazer silêncio e se deixar envolver por todo aquele universo intimista, pontuado por frequentes tensões. A supervisão ficou a cargo de um mestre desse tipo de espetáculo, o diretor Amir Haddad. Imagino que ele tenha trabalhado menos questionando as escolhas da atriz do que editando possíveis excessos.


A escolha dos textos que compõem o monólogo, segundo Beth, se deu de forma intuitiva e fragmentária, como a própria Clarice gostava de trabalhar. No entanto, houve naturalmente uma divisão por temas, o que só ajudou na compreensão geral da peça, porque embora Clarice tenha construído sua obra ao redor de si mesma, a linguagem teatral exige essencialmente diálogos e movimento. Amor, inquietações existenciais, processo criativo, mitificação, entre todos eles o que se sobressai é, sem dúvida, o primeiro, não só pela abrangência, já que se desdobra em amor próprio, pelos filhos e marido, pela natureza, mas principalmente por propor uma reflexão sobre o sentido de amar, que anda cada vez mais empoeirado. A banalização do amor é crescente nos dias de hoje, como já sabemos. Muitas pessoas costumam dizer “eu te amo” pensando que na pronúncia está toda a carga de significação que comporta aquele sentimento, mas não é bem assim. Lembrei-me agora do final de Água Viva e que, infelizmente, não entrou na peça: “Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo”. Ao apagar das luzes, saímos então com a certeza de que apenas nos amamos e ao outro para nos salvar. E de que também os escritos de Clarice, como observou o poeta Felipe Fortuna, sempre desembocam no questionamento da divindade, enquanto padecemos impotentes por não poder responder por nossa liberdade diante de Deus. O final da peça deixa isso bem claro, quando, já cansada de ser Clarice Lispector e abatida pelo câncer, ela clama por Deus e o reverencia como “a pedra fundamental dos destinos que, sem solução, dissolvem-se em erro, fatalidade e mistério”.


O teatro do CCBB comporta no máximo umas cem pessoas, ideal para espetáculos assim, mais intimistas. Sem cortinas, o nosso primeiro contato é então visual, com o cenário que é bastante simples, mas deslumbrante, como vocês podem conferir nas imagens, que, como sempre, fiz escondido rs. Oval, claro, simbolizando aquele vazio que tanto colocava Clarice em contato com a sua permanente solidão e que está tão bem representado no quarto da empregada, em “A Paixão Segundo G.H”. Nenhum objeto cênico ou figurino está ali de forma apenas decorativa, todos ajudam a contar a trajetória da escritora ou de seus personagens. Pouco depois de pisar no palco, por exemplo, a atriz já está com um figurino nude, descalça, sinalizando a presença da inquieta Joana, de "Perto do Coração Selvagem". Mais uma peça de roupa e sapatos altos e entra em cena a Clarice escritora em processo de criação, fumando um cigarro atrás do outro, num gestual de impressionante realismo. Depois a atriz volta ao centro do palco, para pegar um bonde imaginário e viver a introspectiva Ana, do conto “Amor”, e por aí vai. A interpretação de alguns textos lembra muito a do programa “Contos da Meia Noite”, que foi exibido pela TV Cultura, no começo dos anos 2000, e que era um casamento perfeito entre literatura e dramaturgia. Deve ter algum vídeo no You Tube. A própria Beth Goulart participou do programa.


A luz de Maneco Quinderé também é excelente, não tem como não notar. Há um momento em que Beth fica à meia luz, de perfil, na chaise longue, que eu jurava estar diante da própria Clarice, tal a semelhança física entre as duas, o que só somou também. Agora um momentinho gossip. Não queria fazer comparações, mas não resisto. A última peça protagonizada por uma global sobre um texto da Clarice foi o monólogo Água Viva, interpretado pela Suzana Vieira. Vi apenas em vídeo, o que já é bem diferente, mas, mesmo assim, não encontrei a menor ligação entre aquela atriz e a escritora. Nem falo por ela estar sempre na mídia fazendo a linha madura, gostosa e feliz. Não é nada pessoal, pelo amor de Deus. É tão-somente porque acho que ela não tem nada a ver com a Clarice. Já a Beth, não, ela não só é parecida com a Clarice como também é uma ótima atriz e tem uma postura pessoal e sensibilidade muito bacanas. Fiz um videozinho clandestino rs, notem como tenho razão. Sem contar que ela é também bastante gentil. Mesmo correndo para pegar a Ponte Aérea, ainda arrumou um tempinho para a nossa tietagem. E eu, claro, estava lá para receber o meu autógrafo no lindo programa da peça. E voltei pra casa todo feliz, como se tivesse recebido um... “sopro de vida”.


Pessoal, mil desculpas, mas não tenho visitado ninguém ultimamente, porque mal tenho saído do ateliê, por conta de uma série nova de quadros. Em breve, postarei alguns deles aqui e farei a minha "ronda" pela bloguesfera, afinal já estou com saudades também. Bem, um ótimo final de semana a todos. E a vida segue inspiradora. Abração!

terça-feira, 18 de maio de 2010

PELOS ARES




Final de semana de Virada Cultural em São Paulo. Vi tantas coisas e me emocionei tantas vezes que vou ter que dividir o post em duas partes, a primeira dedicada à Virada e a segunda à peça Simplesmente Eu, Clarice Lispector. Fazia um bom tempo que eu não participava do evento, a última que fui também não me inspirou muito, mas dessa vez foi diferente. Saí de casa um pouco tarde e fui direto pra Paulista. A primeira parada foi na Casa das Rosas, depois percorri toda a avenida, sempre em busca de alguma novidade que me devolvesse o ânimo, que desanuviasse a minha testa. Sim, porque havia me programado de fazer tudo isso com a minha amiga Fernanda e ela, lamentavelmente, adoeceu. Nesse meio tempo, a única coisa que realmente me encheu os olhos foi a nova edição da revista WAD, que folheei cuidadosamente na FENAC e que na minha opinião é, sem dúvida, uma das melhores do gênero: o conceito coletivo, o tom provocante, o fato de ser sempre bem humorada, as fotografias incríveis, enfim, faz realmente jus ao nome We Are Different. Pena que esses títulos internacionais só cheguem pra nós a preços tão exorbitantes, mas só de dar uma olhadinha já foi bacana.

Segui caminhando, meio sem rumo, conversando o tempo todo comigo mesmo e desci a Consolação à espera de “um choque um pouco inesperado”. E não é que ele aconteceu? Não me refiro ao encontro dos nerds e fãs de animês, na Praça Roosvelt, porque não vi a menor graça nisso, mas ao fantástico Grupo Ares que fazia uma performance incrível, na fachada do antigo prédio da Light, próximo ao Viaduto do Chá, no Centro. Fiz dois videozinhos, espero que vocês curtam. De repente, comecei a ouvir aquele som gostoso, cool, produzido por um trio aparentemente maluco, colorido, cercado por uma modesta e animada concentração de pessoas, mas imaginei que fossem apenas músicos engraçadinhos e estrangeiros. Sei lá, islandeses, por exemplo. Até aí nem tinha me dado conta do que se passava lá em cima, na fachada do prédio. Como se todos olhassem também para o alto, fiz o mesmo e logo descobri a outra metade do Grupo suspensa, se preparando para executar uma coreografia inusitada, diferente de tudo que já vi em termos de dança contemporânea. Fui instantaneamente arrebatado. Para vocês terem uma ideia, num determinado momento, eles atiravam pétalas de rosas brancas. O público foi ao delírio.

Dito assim, de forma tão apaixonada, parece que fiquei deslumbrado, que esqueço que essas coisas já existem aos montes por aí, que a Déborah Colker ou o Grupo Corpo fazem espetáculos melhores, mais sofisticados, etc. Ou que o Grupo Ares bebeu até cair na fonte do Cirque du Soleil. A questão não é essa, mas a revelação do desconhecido, a emoção genuína diante de algo inédito, inédito não para o mundo, mas para mim. O engraçado é que, quando me emociono de forma tão espontânea, como aconteceu no domingo, posso ter um comportamento bastante infantil ou me encher de esperança. Não me espantará se alguém relatar por aí que me viu rindo à toa, tentando se aproximar do Grupo, depois da apresentação, como quem quer roubar para si um pouco de felicidade também. Fiz tudo isso e não me arrependo. E quando gosto muito de algo, divulgo. Guardem então essa dica.


E foi com muito pesar que recebi, no sábado pela manhã, a notícia da morte do querido Toninho Dantas, uma das figuras mais importantes ligadas à arte e à cultura da Baixada Santista. No final do ano passado, ele me convidou para prestar uma homenagem ao dramaturgo Plínio Marcos com um quadro meu. Não só fiz o quadro como ainda o presenteei com um outro da Pagu. Ele me deixou um depoimento muito carinhoso no Orkut me agradecendo e revelando que a revolucionária Pagu seria a homenageada do próximo Curta Santos, que estava feliz com a coincidência. Que ele descanse em paz agora e que as sementes que espalhou entre nós possam dar continuidade ao seu belo trabalho. Depois de uma nota de tristeza como essas, um pouco de alegria, porque ninguém é de ferro. Conheci no Centro Cultural Banco do Brasil, por pura coincidência, o Eduardo Araújo, do blog Revide. O rapaz está sempre cheio de ideias, projetos, textos, fotografa os amigos o tempo todo, enfim, criatividade não lhe falta. E pra terminar, a Andrea Pagano me propôs escrever 6 coisas que ainda não falei sobre mim aqui no Blog. Vou fazer um resumão, tá? 1)Adoro suco de maracujá. 2)Evito filmes de terror. 3)Sou adepto à meia luz para momentos mais íntimos. 4)Sei cozinhar muito bem. 5)Ainda escrevo cartas. 6)A palavra que eu mais gosto é liberdade. Bem, vou nessa. Abração e ótima semana a todos!!!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

INVESTIGANDO LADY GAGA


A economia grega agonizando na Europa, alerta de terror e desastre ambiental, nos Estados Unidos, o Ministro da Saúde recomendando doses diárias de sexo e eu ainda pensando na lista da Times, na Lady Gaga como artista mais influente do mundo. Seduzido pela novidade, quis descobrir o que está por trás do sucesso da cantora e o quanto há de exagero no que se fala sobre ela. Na mesma lista, que é bastante suspeita, também aparecem dois brasileiros, o presidente Lula e o ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner. Embora a imprensa brasileira tenha feito um alvoroço em torno disso, a própria revista fez questão de ressaltar que não se trata de um ranking. Aliás, não tenho a menor ideia quais foram os critérios para a escolha dos nomes. Soube apenas que contou também a quantidade de seguidores no Twitter, o que não deixa de ser questionável.

Quem assina o texto que explica a ascensão meteórica de Lady Gaga é a cantora Cyndi Lauper, que nos anos 80 já teve os seus dias de glória, mas por insistirem tanto numa rivalidade entre ela e Madonna, nunca conseguiu alçar maiores voos. Lauper, que é também parceira de Gaga numa campanha de cosméticos, cuja renda é voltada para vítimas da AIDS, resumiu o trabalho da colega de forma precisa: A arte de Lady Gaga retrata o período que vivemos agora”. E ela está certa. O que me chama atenção na cultura pop é justamente a sua capacidade infinita de lançar modismos, de criar linguagens, de não se levar a sério, de se reinventar, independente da qualidade e da durabilidade do produto. Adoro citar uma frase do escritor Marcel Proust que tem tudo a ver com isso: “Destestem a música ruim, não a desprezem”. Não há realmente por que ignorá-la. Gostar já é bem diferente.

Vaticinei aqui, no ano passado, que depois de Michael Jackson não haverá outro artista pop com tamanho talento. Lady Gaga em nada me fez mudar de ideia, mas a compreendo dentro deste momento atual, que se traduz em explosão de imagens, hedonismo e necessidade urgente de fama, no desejo de revelar identidades, num escapismo que pode estar tanto na moda quanto num filme em 3D. Num mundo tão cheio de possibilidades, cada vez mais plural, onde as pessoas pouco se conhecem, mas se conectam, como traduzir tudo isso em música e imagem? Lady Gaga soube entender esse momento e nos livrou da monotonia que reinava na música pop. Ainda me incomoda a banalização do sexo nos clipes, mas digo isso de modo geral. Fica a impressão de que para ser aceito é preciso ser exatamente daquela forma, lindos e sexies. Por falar nisso, achei uma ótima sacada aquela propaganda de desodorante que usava o slogan: “Recupere as mulheres que os astros da música roubaram de você”. Mas quanto aos cantores desnudos não tenho a menor esperança. Desde que Salomé fez aquele “strip-tease” bíblico que custou a cabeça do pobre João Batista, a prática de tirar a roupa para conseguir alguma coisa em troca tem funcionado bastante. E com a venda de CDs em queda livre, vai faturar mais quem souber aliar algum talento com um punhado de oportunismo.

Lady Gaga declarou que Andy Warhol é uma fonte de inspiração para suas performances malucas que misturam arte, moda, tecnologia e tudo que passar pela sua cabeça. Talvez por isso o nome do seu disco de estreia seja “The Fame”. “No jogo do amor, você quer amor ou fama?”, ela provoca em uma das letras e que nos remete àquela máxima de Warhol: “No futuro, todos terão seus 15 minutos de fama. Isso sem falar nas deliciosas “Paparazzi” e “Bad Romance”. No final do ano passado, assisti a uma entrevista dela, num programa de TV americano, onde o mais interessante foi ver a sua forma de trabalho. Ela passa o dia inteiro com uma equipe bolando aqueles figurinos extravagantes, make-ups, ideias para performances absurdas, enfim, captando “o momento”. Como bem resumiu uma garota em resposta a um blogueiro que execrava a cantora na web: Ela é quem manda no seu próprio circo, coisa rara no mundo pop de robôs em lingerie. Pesquise um pouco mais e você vai ver que a coisa é séria”. Só não concordo com o segundo argumento, porque no universo da música pop o aparentemente sério pode não passar de uma grande piada. Então podemos rir sem culpa.

Com um quadro gigante para entregar até o final do mês, em São Paulo, quase não tenho aparecido por aqui, mas ficam os meus sinceros agradecimentos a todos que comentaram sobre o texto da Clarice, vou respondendo aos poucos. Aliás, o texto foi destaque na página "Why This World: A Biography of Clarice Lispector", no Facebook, moderada pelo autor Benjamin Moser. Ele o classificou como “um artigo interessante de Luis Fabiano Teixeira”. E como vocês sabem que eu sou facilmente corrompido por elogios e bombons... rs. Sério, achei bacana porque escrevi aquele texto num momento bem difícil e esse reconhecimento veio como “um sopro de vida”. Também aproveito para agradecer ao Clênio Viegas e ao Petro pelo selo Prêmio Dardos, que ambos concederam a este humilde espaço. Os dois tem blogs superbacanas também, valem a pena conferir. Obrigado mesmo, meninos, já o coloquei na minha estante. E hoje é aniversário do meu irmão Luis Gustavo. Parabéns e muitos anos de vida pra ele! É isso. Vou nessa, em ritmo de Just Dance! Abração!