segunda-feira, 15 de março de 2010

DELICADA ESPERANÇA


Já foi o tempo em que fazia questão de assistir a todos os filmes indicados ao Oscar e no dia da cerimônia grudava na TV para torcer freneticamente pelos meus favoritos. De uns anos pra cá, a minha relação com o prêmio foi esfriando, passei a achar tudo muito previsível e até sem graça. “Aplaudir o sucesso alheio não pode cair na rotina” – repetia a mim mesmo, já me prevenindo de um possível remorso. Neste ano, no entanto, resolvi fazer as pazes com a Academia e, tirando um bocejo ou outro, valeu muito a pena. Não estou só falando da vitoriosa Kathryn Bigelow, mas principalmente do comovente “Preciosa”, uma espécie de Davi contra Golias e que também por isso mereceu a minha torcida.


A primeira coisa que me chamou atenção no filme, quando ainda era promovido exaustivamente no programa da Oprah, no ano passado, foi Gabourey Sidibe, a protagonista. Não exatamente por estar fora dos padrões estéticos a que estamos acostumados, mas por concentrar no seu olhar o impressionante sofrimento da sua personagem, Clareece Precious Jones. Na ocasião, anotei mentalmente que queria muito vê-lo, mas logo pipocaram notícias na imprensa de que a cantora Mariah Carey estava no elenco e fiquei com um pé atrás. Quem sobreviveu a “Glitter – O Brilho de Uma Estrela” (2001) sabe do que estou falando. Mas as seis indicações ao Oscar sinalizaram para uma surpresa, não se tratava apenas de um drama patrocinado pela Oprah, valia muito a pena conferi-lo.


“Preciosa” é uma adaptação do livro “Push”, da poetisa Sapphire, que trabalhou como assistente social e educadora em bairros pobres de Nova York, nos anos 80. O drama não poderia ser mais pesado (não se trata de um trocadilho, juro): Precious é uma jovem de 16 anos, negra, pobre, obesa, analfabeta, grávida pela segunda vez do próprio pai e ainda sofre abusos constantes da mãe, brilhantemente interpretada por Mo'Nique (vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante). Uma tragédia que parece interminável, mas não se intimidem com a overdose de sofrimento da protagonista, afinal o subtítulo do filme é também “Uma História de Esperança”. E essa esperança, embora delicada, encontra-se na escola alternativa onde Precious passa a frequentar e também a receber apoio da solícita professora Blu Rain.


Sobre o roteiro é importante ressaltar o trabalho de equilíbrio entre momentos de fortes tensões e o humor debochado dos adolescentes da escola (uma ótima sacada para o espectador ir até o final). Os diálogos, por exemplo, impressionam pela crueza: “Uma mulher de verdade se sacrifica. Quando você nasceu, eu deveria ter abortado” – vocifera a mãe, num dos momentos mais dramáticos do filme. Precious, por sua vez, não a perdoa: “Minha mãe é como uma baleia no sofá. Diz que não paro de comer, mas é ela quem me força”. E, enquanto as cenas de “barraco” entre as duas se sucedem, o espectador logo sai em defesa da sua pobre heroína. Outro aspecto que chama atenção pela poética e finalmente beleza, mas também outro recurso para não nos levar ao limite emocional, é a forma como Precious sublima o seu sofrimento. Em momentos de extrema covardia e violência, ela recorre à imaginação para suportar os maus tratos. Nessas cenas, surge no tapete vermelho (olha a vida imitando a arte!), paparicada por um lindo namorado, num programa de TV, etc.


A fotografia não tem nada de especial, pelo contrário, lembra muito a de filmes feitos para o canal a cabo HBO, mas a primeira direção em longas de Lee Daniels é bastante segura, até mesmo ousada. As interpretações são bem minimalistas e complexas, mas todos dão conta do recado, inclusive Mariah. “Preciosa” chega num momento pra lá de oportuno, porque convivemos com essa carência de afeto generalizada, com o culto exagerado a padrões de beleza inalcançáveis, com falhas absurdas de caráter, no sistema de ensino (e não é só no Brasil), a pedofilia se alastrando como erva daninha, enfim, mas, apesar de tudo isso, não estamos sozinhos, podemos também ser a esperança para muitas pessoas (e isso não é um discurso messiânico barato). Quem quiser pode dividir conosco as suas impressões sobre o filme e, pra quem ainda não o assistiu, fica aqui a minha dica.


E eu não poderia deixar de registrar também o meu repúdio, a minha indignação ao assassinato covarde do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, na porta de sua casa, em Osasco, na semana passada. Infelizmente, esse foi mais um daqueles crimes que fazem com que a gente se pergunte, em vão: “Até quando?”. Fica aqui a minha solidariedade à viúva dele e aos seus parentes e amigos. Aproveito também para agradecer publicamente ao querido Clênio Viegas, do blog “Um Filme por Dia”, que indicou este humilde espaço para o selo “Blog VIP”. Achei o gesto bem simpático, é o segundo que recebo. Obrigado, Clênio! Recomendo o blog dele também, há ótimas resenhas sobre filmes lá, bem construídas e cheias de detalhes. É isso. A última semana foi bem estranha, pra mim, dizem que já estou no meu inferno astral. Então, por favor, atendam a minha súplica mais urgente: me façam sorrir rs. Abração!!!

terça-feira, 2 de março de 2010

A NÁUSEA DE SI MESMO

No mesmo dia da morte do estilista Alexander McQueen (11.02), alguns amigos e eu conversávamos sobre o elevado índice de suicídio, em alguns países da Europa. A explicação, segundo eles, é que são lugares muito frios, as pessoas não se relacionam como a gente, de forma tão amistosa, e aos 18 anos os filhos são obrigados a deixarem suas casas e tocarem suas próprias vidas. Eles me contaram ainda que existem até campanhas, na TV, de tão comum que é, toda semana, a notícia de um ou mais suicídios. O assunto entrou na roda porque tenho notado um aumento vertiginoso de depressão entre os jovens (e isso independe de estarem acima ou abaixo da linha do Equador). E, como nós já sabemos, depressão e suicídio sempre andaram perigosamente juntos.


Muitas vezes, a pressão pela conquista de um ideal de felicidade termina por provocar um grau elevado de angústia e frustrações que as conseqüências podem ser irreversíveis. Eu mesmo já fui vítima dessa pressão (e, infelizmente, não estou livre dela), mas também nunca cheguei a cogitar a possibilidade de jogar a toalha, de desistir de tudo. Nem sempre é fácil, claro, mas continuo achando que viver vale muito a pena. No caso de McQueen, as especulações não param: a morte recente da mãe, o uso excessivo de drogas, o também suicídio da amiga Isabella Blow (quem o revelou) e até a exaustiva tarefa de ter que desenvolver várias coleções por ano.


Curioso que sou, fui em busca de uma entrevista que ele concedeu a ELLE francesa, reproduzida no Brasil em agosto de 1998, para tentar encontrar alguma pista que já denunciasse, naquela época, no auge da sua carreira, algum componente trágico na sua personalidade. Não encontrei nada muito revelador, mas, mesmo assim, selecionei algumas frases bem interessantes: “Gostaria de ter mais tempo pra mim. Trabalho 20 horas em 24. / Temo chegar a ficar satisfeito comigo mesmo. / Só serei feliz no dia em que me aposentar. / Gostaria de me tornar um grande repórter”. Como uma coisa puxa outra, logo me lembrei de Rafael, um personagem de uma comédia espanhola chamada "Crimen Perfecto" (2004), cuja maior ambição é desfrutar de uma vida que esteja de acordo com o seu bel-prazer. “Prefiro morrer a me conformar com uma existência medíocre” – diz ele. Passo a bola pra vocês. Há algum heroísmo ou autenticidade nisso ou, assim como eu, vocês veem com desconfiança essa justificativa?


Por outro lado, uma boa notícia é que o ator Daniel Radcliffe, mais conhecido por viver o bruxinho Harry Potter nos cinemas, acaba de emprestar a sua imagem para uma campanha contra o suicídio de adolescentes homossexuais, nos Estados Unidos. Li num site que, lá, são registrados por ano cerca de 32 mil suicídios, entre gays de 14 e 15 anos. Assustador, não? Independente da orientação sexual, raça, religião, enfim, acho que não podemos fechar os olhos para essa realidade. Ninguém tira a própria vida simplesmente por achar que não faz parte de uma zona de conforto. Os nossos dramas cotidianos, principalmente os silenciosos, tendem a nos empurrar para um gradativo isolamento, por isso é fundamental que parentes ou amigos, ao menor sinal de depressão, encaminhem a pessoa a um médico.


E, no último final de semana, perdemos também o querido bibliófilo José Mindlin, aos 95 anos. No ano passado, durante um imprevisível temporal em São Paulo, me refugiei na porta da casa dele. Era um domingo à tarde e me enchi de orgulho só em poder estar ali. Enquanto o céu desabava, ficava imaginando as preciosidades literárias que deveriam estar lá dentro. A sua paixão incurável pelos livros ele tão bem resumiu numa frase que eu acho ótima: “Trocaria de bom grado dois terços da minha biblioteca por metade da minha idade, mas naturalmente para começar tudo de novo”. Vai deixar saudades. E o terremoto no Chile, hein? É melhor ir parando por aqui. A semana começou melancólica. Abração!