terça-feira, 7 de abril de 2015

UM MILAGRE PARA A ESTRELA AZUL



In Memoriam de Callebe Garcia

"As estrelas eram um símbolo de pureza, qualquer coisa inatingível que a mão dos homens não havia ainda conseguido poluir. As criaturas que chafurdavam na lama podiam salvar-se se ainda tivessem olhos para ver as estrelas". Érico Verissimo

Saguão de hospital. Tudo muito claro e frio. Ali perto, Heitor entre a vida e a morte. Paula se distrai com um horizonte imaginário, quando Cauê se aproxima.


Cauê (tocando no ombro da amiga)

...Paula? E aí, como é que ele tá?


Paula
...Muito mal. Não sei se o Heitor vai conseguir sair dessa.

Cauê (otimista)
...Temos que ter fé. Agora, é ter fé, minha querida. Ter fé.

Paula
...Ele tinha tanta fé, Cauê. Era sempre o primeiro a invocar o nome de Deus.

Cauê (sentando-se)
...Ele vai ficar bem. Caramba, não é justo!

Paula
...Fizemos tantos planos. Lembra?

Cauê
...Lembro.

Paula
...Uma das últimas coisas que ele me disse foi que queria viajar. Correr o mundo com uma mochila nas costas. Começaria pela Patagônia, vê se pode.

Cauê
...Isso era bem a cara dele. Essas aventuras turísticas sem um tostão no bolso. Nunca esqueço aquela viagem que fizemos a Paraty...

Paula
...Nós tínhamos combinado de fazer um curso de teatro juntos. Fomos até a escola ver como funcionava o lance da matrícula. Eu falei pra ele que ele já era um ator e dos bons. Ele riu como se fosse uma criança.

Cauê

...Adorava passar trotes pelo telefone, lembra? Eu mesmo caí em, pelo menos, uns cinco.

Paula
...Eu não me conformo. Não me conformo, Cauê! Olha, se o Heitor... Se ele morrer, aí é que eu vou pirar de vez mesmo.



Cauê

...Pelo amor de Deus, não vamos pensar no pior. Você já falou com a família dele?

Paula
...Só com uma das irmãs. A mãe dele me detesta.

Cauê
...Eu avisei ao João. Ele ficou tão chocado, mas daquele jeito dele, sabe?

Paula
...Espero que ele consiga passar por cima daquele orgulho besta e faça, pelo menos, uma oração para o Heitor.

Cauê
...Há quanto tempo eles não se falam?

Paula
...Acho que há uns seis meses, sei lá. 

Cauê
...Pra quem andava sempre grudado...

Paula
...Eu não sei direito o que houve. Aliás, eu não sei o que houve com todos nós. Quando nos conhecemos, era tudo tão bom, fazíamos tudo juntos... De uns tempos pra cá, cada um foi ficando na sua...

Cauê
...Tantas cobranças, ciúmes, isolamentos. Para algumas pessoas, a amizade virou até uma espécie de obrigação.

Paula

...Se nós pudéssemos começar tudo de novo...


Cauê
...Você acha que seria diferente?

Paula
...O João e o Heitor, por exemplo. Eles não se largavam, lembra?

Cauê
...Eu tenho quase certeza de que o rompimento deles foi por puro excesso de intimidade.



Paula

...Amigo que é amigo suporta essas coisinhas bobas, Cauê.

Cauê
...Mas um momento de silêncio também é bom. É até necessário.

Paula
...Eu já tenho medo do silêncio. Tenho medo de mim mesma, no silêncio.

Cauê
...Eu nunca me senti, assim, Paula.

Paula
...Assim como?

Cauê
...Assim, com essa sensação de vazio, de ter um buraco aqui dentro, sabe? Eu acho que eu também era dependente do amor dele.

Paula
...Todos nós éramos.

Cauê
...Um amor que beirava até o infantil, né?

Paula
...Ele sempre teve mesmo uma certa pureza.

Cauê

...Pra você deve ter sido difícil se apaixonar por ele daquela forma, não é?


Paula
...Sabe que não? Quando eu descobri que estava apaixonada por ele, eu era muito novinha, imatura. Nem sabia direito o que estava sentindo. Foi mais um impulso, eu acho. Ele também nunca me disse verbalmente que não queria nada comigo. Talvez não quisesse me machucar também. Mas eu logo entendi e segui o meu caminho. Também nunca o vi machucando ninguém, mesmo que a pessoa merecesse.

Cauê
...É verdade.


Paula

...Ele sempre queria o melhor para nós. Quando não podia fazer isso, simplesmente desaparecia. Era como um código. A gente logo sabia que ele estava exilado em algum lugar.

Cauê
...E ninguém conseguia tirá-lo de lá.



Paula

...E quanto mais perguntas, mais silêncio.

Cauê
...Ah, mas com o João ele sempre se abria. O João, por exemplo, foi o primeiro a saber que ele tinha comprado aquela maldita moto.

Paula
...Pois é... E, depois, deu no que deu.

João se aproxima.

João
...Oi pessoal.

Cauê
...Você não morre mais. Estávamos falando justamente de como você e o Heitor eram amigos.

João (sentando-se)
...E como é que ele tá?

Cauê
...Mal, né? Muito mal.

João
...Se eu soubesse...

Paula (num rompante)
...Se nós soubéssemos, tudo seria diferente. Teríamos feito uma festa pra ele.

João
...Na verdade, eu poderia mesmo ter passado por cima do meu orgulho, ter dito a ele: “Cara, vamos começar tudo de novo. Vamos esquecer essas besteiras”.



Cauê

...Agora é um pouco tarde para arrependimentos, você não acha?

João
...Ele não quis entender a minha imperfeição também. Eu errei. Todos erram, não é? Olha, vocês podem achar estranho eu dizer isso só agora, mas eu ainda o amo. Amo.

Paula
...Agora que ele não pode ouvir?

João
...O que vocês querem que eu faça? Eu já admiti que errei.

Cauê
...Mas não basta.

Paula
...Por favor, estamos num hospital.

João
...Dane-se o hospital! Não fui eu que provoquei o acidente.

Cauê
...Mas depois que vocês romperam ele nunca mais foi o mesmo.

João
...Eu faço qualquer coisa por ele... Ele não está precisando de sangue? O que ele está precisando?

Paula
...Não seja ridículo, João!

João
...Eu tentei me reaproximar dele. Enviei um e-mail, mas ele não me respondeu.

Cauê
...Ele me falou desse e-mail.

João
...O que ele te disse? Fala, Cauê!!!

Cauê
...Disse que você precisaria de muito mais alegria para saber que a vida dói.


João

...Não entendi.


Cauê

...É simples...


Paula (interrompendo-o)
...O João quis dizer que você só reconheceria o valor da amizade dele, depois que quebrasse a cara. Pronto, falei.

João
...Vocês acham que se ele ficar bom pode ainda me perdoar?

Cauê
...Não sabemos nem se ele vai ficar bom.

Paula
...Eu tenho por dever acreditar em milagres.

João
...Foi tão grave assim?

Cauê
...A moto entrou debaixo de um caminhão.

João
...Merda!

Paula
...Agora só resta mesmo rezar.

Cauê
...Preciso dar um pulo em casa, tomar banho e comer alguma coisa. Estou na rua desde cedo. Vocês vão ficar?

Paula
...Eu tenho ainda que passar, na faculdade dele. Não sei se eles já sabem. Quanto mais pessoas torcendo pela sua recuperação, melhor.

Cauê
...Eu te dou uma carona.


João fica parado ali mesmo, sem saber o que fazer, como agir, sem poder mudar o tempo. Apenas sentindo aquela dor que agora se transformou em culpa.


Texto escrito em 22/12/2010.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

PELO MUNDO DAS TVS - AMSTERDAM



Só hoje consegui assistir à matéria do Video Show sobre Amsterdam, dentro da série Pelo Mundo das TVs, apresentada pelo Zeca Camargo. Tive o prazer de indicar a maior parte das locações que aparece no video e acompanhar a equipe num dia intenso de trabalho, em dezembro do ano passado. O resultado ficou incrível! ADOREI. Amsterdam em todo o seu charme e beleza. Quem não assistiu é só clicar no link e dar play. 

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

ANO BOM



É a segunda vez que faço isso. Saio de casa meia hora antes da virada e vou me aventurar pelas ruas estreitas e repletas de turistas de Amsterdam, para cruzar aqueles canais maravilhosos, enquanto um filme, com o perdão do trocadilho, passa na minha cabeça, rememorando o ano que se passou. Este ano foi ainda melhor, tudo pareceu ainda mais belo e encantador ou teria sido 2014 um ano espetacular? Fazendo, assim, uma análise geral, o ano passado não foi exatamente incrível, mas foi perfeito. Devo a esse ano a força que me manteve firme para continuar com meus projetos artísticos, não ter morrido de amor (como fui tolo) e seguir com os meus planos de viagem ao Brasil, depois de quase quatro anos, fora de casa. Finalmente chegarei lá, me aguardem. Por tudo isso e mais algumas agradáveis surpresas de última hora, posso dizer que foi um ano muito bom.
Não fiz exposições, mas pude avançar nas pesquisas do meu trabalho e produzir mais de dez quadros, exatamente como eu os imaginei, fora outros tantos que estão inacabados, no ateliê, e que devem aparecer em breve. Ano em que pude escrever mais um novo roteiro, que agora se soma aos outros três engavetados e que, pelo menos, um deles pretendo filmar ainda este ano, no Brasil. Sem contar o projeto de um site cultural e mais a minha adesão ao mundo dos vloggers, que resultou na criação do Fixação, programa de dicas culturais e afins do meu canal do You Tube e que vai melhorar (e muito!), nas próximas edições.
Ano em que abandonei de vez a TV e apenas me dediquei a assistir a poucos e bons filmes, e muito deles nacionais. Claro, está cada vez mais difícil encontrar boas produções brasileiras, mas como não se emocionar com “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” ou dar boas risadas com o desbunde de “Tatuagem” e até mesmo se decepcionar com “Praia do Futuro”. No quesito músicas do ano, eu que já não sou uma pessoa cheia de trilhas favoritas, qual não foi a minha surpresa e prazer ao descobrir, já no final do ano, o talentosíssimo Johnny Hooker, cuja canção “Volta”, do já citado “Tatuagem”, foi uma das que mais escutei junto com “Alma Sebosa”. Depois baixei o CD “Roquestar” e os meus treinos na academia ficaram bem mais interessantes e suportáveis. Viva esse talento pernambucano! Pude ainda realizar o sonho de conhecer, aqui em Amsterdam, a cantora  Daniela Mercury, de quem sou fã confesso e que me fez mergulhar nas minhas raízes baianas, num show memorável com o Olodum, numa das casas de espetáculos mais bacanas da Holanda e ainda pude presenteá-la com um trabalho meu, inspirado no barroco brasileiro e ela se mostrou satisfeita no Twitter e ainda me agradeceu pessoalmente pelo mesmo. Quase morri do coração nesse dia!
O ano que li muitas e variadas biografias. Não é tão fácil encontrar livros em português por aqui e o meu inglês ainda não é uma Brastemp, logo ler um bom romance ou livro de contos é bem complicado. E ainda estou me acostumando com os livros digitais. Fui então emendando uma biografia na outra e quando vi já tinha lido “Daniela Mercury e Malu – Uma história de Amor”, “O Som e a Fúria de Tim Maia”, “Dolores Duran – A noite e as canções de uma mulher fascinante” e, finalmente, “50, Eu?”, que mereceu até uma resenha aqui, no post anterior. Já quase no final do ano, o querido Benjamin Moser autografou a minha biografia da Clarice Lispector, “Clarice,”, e de quebra ainda assistimos a um ótimo documentário sobre Susan Sontag, num prestigiado festival de documentários, aqui de Amsterdam.
A exposição que me marcou profundamente foi, sem dúvida, “Marlene Dumas – The Image As Burden”, no Stedelijk Museum. Por tudo. Pela excelente e indiscutível qualidade do trabalho da artista sul-africana, pela montagem que é precisa e competente, pela companhia especial naquela linda manhã ensolarada de domingo e, sobretudo, pela atmosfera poética e de encantamento que esta exposição nos presenteia. Não é à toa que foi um sucesso de crítica e público. Não posso deixar de falar também no acervo de tirar o fôlego do maravilhoso Centre Georges Pompidou, em Paris, mais até do que a exposição sobre o início da carreira do Marcel Duchamp, que também vi, sem grande entusiasmo, lá mesmo. Ver de perto todas aquelas maravilhas modernas e contemporâneas foi uma experiência inesquecível!
E por falar em Paris... A minha viagem pra lá, mais uma vez, foi maravilhosa. Pela primeira vez, sozinho, pude andar e me perder por aquelas ruas charmosas, no comecinho do outono. Só essa viagem mereceria um post à parte, porque foi muito especial e aproveitei bastante. Logo no primeiro dia, estava acontecendo uma espécie de Virada Cultural chamada “Nuit Blanche”, com várias e inusitadas atrações, que conferi na companhia de um francezinho de alma brasileira que, entre outras coisas, estava lendo Oswald de Andrade em português. Pode uma coisa dessas? Lá também encontrei o meu amigo Rodrigo Fauor e, com outro amigo dele, passamos uma tarde muito divertida juntos. Já em Amsterdam, tive o prazer de receber a minha grande amiga, desde os tempos do colegial, Fernanda Matos e passamos momentos lindos na cidade. Recebi a visita do meu primo Felipe, vindo de Budapeste, e foi ótimo recebê-lo também por aqui.
Nas redes sociais, o ano foi, de longe, do Instagram, com destaque para a nossa sede voraz por selfies (melhor não falarmos do controverso pau da selfie rs), enquanto o Facebook se mostrou cada vez mais autoritário e invasivo, chegando às raias do insuportável com a disputa presidencial, com as pessoas se digladiando em defesas inflamadas por um ou outro candidato. E o que falar do Brasil, nesse sentido, hein? O ano do retrocesso, da inflação voltando, do escândalo da Petrobras, dos crimes homofóbicos, da fraca abertura da Copa... E o que foi aquele terrível 7x1 da Alemanha contra a fraca seleção brasileira? Bom, melhor pararmos por aqui e mentalizarmos um 2015 com mais motivos para a gente se orgulhar. Que não nos falte trabalho e, sobretudo, vontade de superar os desafios. Seja bem-vindo ano bom!