Ontem li no blog do escritor e autor de novelas Aguinaldo Silva que um cigarrinho de maconha do personagem César, da novela Vale Tudo (1988), reprisada com sucesso pelo canal pago Viva, causou um tremendo mal-estar, no último final de semana. Parece mentira, né? Um baseado ainda consegue chocar as pessoas. Eu me choco com outras coisas, com essa violência desenfreada – outro dia mesmo um estudante de Letras foi morto brutalmente na frente de casa, praticamente nos braços do pai –, com o corte de R$ 50 bilhões na Educação, com aquela frase racista e homofóbica do deputado Jair Bolsonaro dirigida à cantora Preta Gil, em rede nacional, etc. Talvez essas pessoas desocupadas estejam pensando que o beck de hoje é o crack de amanhã. Tenha a santa paciência! E isso nem é uma defesa em causa própria, muito menos a minha intenção é polemizar, o foco aqui é outro, é a maré de caretice que chegou ao Brasil vinda sabe-se lá de onde (talvez do Irã), a mesma que tem cerceado a criatividade de uma série de autores de TV que sempre admirei.
Tenho insistido que essa classificação indicativa do governo, uma espécie de censura disfarçada, tem tornado a TV brasileira um grande tédio – punição por aqueles excessos malditos dos anos 90: sushi erótico, Latininho, Programa do Ratinho, concurso da boquinha da garrafa, etc. Basta dar uma zapeada no controle remoto para percebermos o quanto os autores estão engessados. Luta, até o momento, inglória. Por isso as apimentadas séries americanas estão ganhando cada vez mais espaço por aqui. Com alguma criatividade, mas enredo lento, Gilberto Braga e Ricardo Linhares tem demonstrado certa ousadia no texto de Insensato Coração, mas nem todos podem comprar essa briga. Por curiosidade, fui ao You Tube e assisti a vários vídeos de Vale Tudo e percebi como o texto é delicioso, crítico, a melhor novela de todos os tempos, sem dúvida, mas um remake hoje não faria o mesmo sucesso. Pelo menos, a megera Odete Roitman jamais poderia dizer aquelas barbaridades sobre o Brasil e os brasileiros, sem que a Globo fosse bombardeada de reclamações. Como humilde escriba que sou, fiquei imaginando como escreveria um personagem racista para a TV, sem que ele pudesse se expressar como tal. Desisti no esboço. Haja criatividade!
E o pior é que existe até uma falta de critério pra essa caretice toda, coisas muito bobas ganham dimensões extraordinárias. Sem fazer muito esforço, me lembrei agora de que a capa de um DVD da Marisa Monte, por exemplo, provocou reboliço entre os xiitas de plantão porque, segundo eles, sugeria “sexo oral” – um verdadeiro absurdo! Não faz muito tempo também que o diretor de teatro Gerald Thomas foi até parar na primeira página do The New York Times porque mostrou o traseiro à meia dúzia de gatos pingados que detestaram uma de suas peças (ele foi até processado por isso). Saiu na imprensa, em fevereiro, que a série Aline, que eu achava bem interessante, na sua segunda temporada, teria sido suspensa pela Globo, faltando ainda 4 episódios, porque numa das cenas havia a sugestão de um ménage à trois. (Ué, e a minissérie “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1998) era o quê então?). Muito recentemente, o jovem cartunista João Montanaro, do jornal Folha de S. Paulo, fez uma charge que ilustrava uma onda gigante sobre o Japão (Não vi nada de ofensivo e nem grotesco. Mesmo!), um dia depois da tragédia que se abateu sobre aquele país, mas a própria classe saiu lhe atirando pedra. Uma expressão que eu achava deliciosa, samba do crioulo doido, foi banida da nossa língua, tornou-se politicamente incorreta e passível até de cadeia. Bem, exemplos não faltam. E eu nem falei do famigerado “beijo gay”. É por essas e outras que, no último Rock in Rio (2001), o baixista do Queens of the Stone Age, decidiu se apresentar pelado e se espantou quando foi retirado do palco pela polícia. “Mas aqui as pessoas não ficam assim, no carnaval” – teria se defendido. O que responder para o rapaz? Que existe pecado, SIM, do lado de baixo do Equador?
O assunto é confuso mesmo, envolve questões culturais, políticas, econômicas, sociais e até geográficas. Uma vez assisti a uma entrevista de um desses comediantes de stand up onde ele afirmava que nos Estados Unidos é diferente, existe lá uma liberdade maior para contar piadas, enquanto aqui há uma certa resistência a determinados assuntos e que por isso ele precisava evitá-los. Não sei se vocês também tem percebido isso, mas achei que seria um assunto interessante para reflexão. E que fique claro também que as pessoas tem todo o direito de serem “caretas”, eu as respeito, até a escritora Marina Colasanti, de quem gosto muito, escreveu uma vez: “Tem gente por aí dizendo que caretice é ruim. Mentira, lá em casa somos todos caretas, e achando ótimo”. Tá certo, Marina, mas isso foi lá nos anos 70!