Já no finalzinho do ótimo documentário “Cartola” (2006), de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, sobre o melancólico compositor e cantor mangueirense, Cartola se diz um tanto cansado do carnaval e se retira do morro da Mangueira. Era o ano de 1978, ele morreria dois anos depois. Como alguém que fundou, em 1928, uma escola de samba como a Mangueira poderia se cansar do carnaval? E aqueles velhinhos animados da velha guarda que, geralmente, encerram os desfiles? Só fui entender a sua decisão hoje. Provavelmente ele estaria se poupando de ver a descaracterização radical de algo que ajudou a inventar. No seu lugar, talvez eu fizesse a mesma coisa. Fiquei observando tudo que aconteceu, antes e durante os primeiros dias de folia, e não vi grandes motivos para comemorar.
Na ânsia de atrair mais e mais consumidores de abadás, os principais cantores de Axé, meses antes do carnaval, tratam de seduzir turistas e fãs divulgando suas atrações, que, cá entre nós, salve raríssimas exceções, não tem nada de novidade. Ivete Sangalo cantando com... Luan Santana. Claudia Leitte dando selinho em... Hebe Camargo. Olodum com... Restart. Ai que preguiça. Aliás, nunca entendi porque os abadás desses blocos custam uma pequena fortuna e as pessoas ainda tem que carregar nas costas, no peito ou seja lá onde for tanta propaganda. No caso das celebridades que são contratadas para bombar os camarotes é puro business. Vão lá, dão “pinta”, dizem que a cerveja é ótima, tiram fotos para revistas, falam com o Amaury Junior e depois saem em carros blindados, tudo por conta da cervejaria. Sei também que os custos são altíssimos para fazer um camarote desses na Sapucaí e essa prática de pagar celebridades, para criar a falsa sensação de que um carnaval é mais prestigiado do que outro, não é de hoje, mas fica aqui o alerta, precisa trazer uma atriz em fim de carreira como a Pamela Anderson? A imagem fala por si. Achei uma escolha muito infeliz.
Outra coisa, o que a Sandy tem a ver com cerveja e carnaval? A pergunta é mais do que óbvia, mas como não fazê-la a essa altura? Só mesmo um idiota ou estando muito cheio da tal cerveja para acreditar no lado “devasso” da moça. Não vi o comercial e nem quero ver. Páginas e páginas na rede usando o trocadilho infame para gerar notícia e fazer o nome da bebida se popularizar. Marqueteiros rindo à toa, mais uma vez. A cantora, um milhão mais rica, mais ainda. E o famoso cantor baiano que, depois de 30 anos usando barba, “sucumbiu” a uma oferta milionária de uma empresa de lâminas de barbear e voltou a ter o rosto lisinho lisinho? Mudaram mesmo as estratégias de marketing carnavalescas. Modelo sem calcinha ao lado de presidente da república é coisa do passado. Bem, agora só se for por dinheiro.
As TVs que transmitem a festa, todas, sem exceção, venderam suas cotas de patrocínio. Prometeram transmissão em HD, horas de programação ao vivo, mas o que se vê é bem decepcionante. Prejuízo mesmo só para o telespectador fã de carnaval. Na Globo, por exemplo, Luis Roberto e Glenda Koslowski não se entendem, não empolgam, não transmitem certas informações para que se compreenda os enredos, erram nomes e cores das escolas, ele a deixa falando sozinha várias vezes, quando Chico Pinheiro, Ana Paula Araújo e Maria Beltrão, com talento superior pro posto, são mal aproveitados. As piadas sem graça de Hélio de la Peña só confirmam porque o Casseta e Planeta acabou. Comentários técnicos não existem. A internet, por sua vez, tem dado um banho de informação, com mais criatividade e diversidade de opinião. Em uma recente entrevista ao Roda Viva da TV Cultura, Boni, ex-todo poderoso da Globo, questionado por Marília Gabriela sobre as sofríveis transmissões das escolas de samba, alegou com a franqueza que lhe é peculiar que o espetáculo só funciona mesmo na Sapucaí, na TV fica longo e chato. E tem toda razão. Tá mais do que na hora de se rever isso. Os organizadores do carnaval de Recife, cujo Galo da Madrugada está perdendo o posto para o bloco carioca Bola Preta, precisam parar também com esse discurso bobo de “carnaval cultural” ou “o mais democrático de todos”. É uma tremenda bobagem rivalizar com Salvador e Rio, nesse sentido. Todas tem atrações pagas e também de graça, para a população. Fica ao gosto do freguês. O fato é que o frevo não pegou no resto do Brasil, mas isso não quer dizer também que seja um ritmo ruim ou que mereça status de “cult”. Não serve de consolo, mas a grande verdade é que esse formato de transmissão, carnaval de rua, interessa muito pouco ao telespectador, porque visualmente não agrada. Salvador talvez se destaque porque os baianos inventam sempre uma dancinha, coloca sexo em tudo, tem aqueles cantores rebolativos, enfim, por isso o carnaval de lá consegue ainda gerar algum interesse.
A TV Bandeirantes e o SBT, por exemplo, optaram por Salvador, prometiam até se digladiarem, ambas com o mesmo nome “Folia”, disputando as mesmas fatias do mercado publicitário e telespectadores, mas nada se confirmou. O áudio péssimo, captado fora dos trios, resulta numa grande confusão sonora, muito improviso das estrelas baianas, entrevistas previsíveis em camarotes e piadas sem graça de pseudo-humoristas. Já ouvi todo tipo de barbaridade, até esta pérola do Paulinho Gogó (?): “Eu é que vou tirar essa roupa, está um calor ensurdecedor”. O título de melhor transmissão de um carnaval de rua ainda é da TV Manchete, a pioneira, sob o comando de Jayme Monjardim, no auge da chamada Axé Music, começo dos anos 90, com narração de Paulo Stein e participações de Rosana Hermman, Tânia Rodrigues e Clodovil. Os programas da casa foram transmitidos da capital baiana, num tempo em que não havia ainda essa overdose de alegria forçada e muito menos essa disputa entre as cantoras, fato que só empobreceu a festa. Todos cantavam as músicas de todo mundo e o folião ficava satisfeito, tinha mais espaço pra dançar também, os camarotes baianos não eram tão concorridos. Nesse ano a Veja trouxe na capa: “A Bahia Ganhou”. Nem é preciso dizer que de lá pra cá ficou tudo, assim, tão diferente. Para o bem e para o mal. Enfim, essas são as minhas impressões da folia, até o momento. Vou agora vestir a minha camisa listrada e sair por aí. Até depois da quarta-feira de cinzas!
2 comentários:
Parabéns pelo texto exato sobre os carnavais de agora.
Já fiquei noites vendo escolas de samba, com o jornal na mão acompanhando as letras. Tentei, juro que tentei, dormi na primeira que vi e encerrei meu carnaval ali.
Hoje, uma previsível vitória de uma escola de samba que sempre fui fã, desde Joãozinho Trinta mas não mereceu mesmo. Pois é ....
Lenah
Muito bom seu blog e todos os seus textos, com uma linguagem didática e muito compreensiva, seus textos são muito bem formulados para todas as pessoas. O carnaval concerteza é uma época de disputas televisivas onde se aproveitam do bom humor dos foliões. Sua tirada sobre a Sandy foi perfeita e milimétricamente correta. Muito Obrigado por nos engrandecer com sua palavras...Parabéns
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