quarta-feira, 8 de agosto de 2007

BLOQUEIO

Clara era uma jovem escritora com muitas pretensões. Estava se firmando no escorregadio mercado editorial brasileiro. Conseguiu publicar o seu primeiro romance e de quebra ainda leu duas ou três resenhas sobre o mesmo, em jornais importantes, de grande circulação. A editora entusiasmou-se. Clara ficou orgulhosa de si mesma, apesar de pouco remunerada. Olhou para as contas sobre a mesa. Procurou inventar consolos que a deixassem mais tranqüila ou alimentasse a sua vaidade: "Eu não sou a J. K. Rowling. Nunca pretendi ser". Dias depois, um pouco alarmada, recebeu a notícia de que estava com um bloqueio.
– Bloqueio?
– Exatamente. É normal. Todo escritor já passou por isso. Sabe aquela luta contra uma folha em branco?
– O senhor escolhe tão bem as palavras, mas a minha luta é comigo mesma. Eu sei. Eu estou obstinada para escrever um grande romance, mas sequer consigo ter uma idéia de que me orgulhe. Nem umazinha. Nada. Eu sou a própria folha em branco, isso sim.
– Você deve estar exausta de extrair de si mesma sempre novas histórias. Tire umas férias. Conheça novas pessoas. Novas emoções vão ser úteis para o seu próximo trabalho. Você é tão jovem...
– E tão imatura, tão sem assunto, tão sem graça. Uma fraude! Não é isso que o senhor ia me dizer? Passar bem.
Clara pensou em chorar, mas achou-se ridícula chorando ali na rua, por causa de um bloqueio criativo. Talvez fosse melhor se desabafar com alguma amiga. Mas que amigos? Os poucos que cambaleavam no seu círculo de amizades não suportavam literatura. Ainda assim tentou a sorte. Quem sabe Catarina, a única que conseguiu concluir o ensino médio, pudesse lançar um ponto de luz naquela sua escuridão sem fim. Terminou ouvindo um conselho nada animador.
– Por que você não deixa para sofrer, no domingo à noite, quando já é inevitável. Eu empurro todos os meus problemas pro domingo à noite. Peço uma pizza. Como feito uma louca, sem culpa, enquanto escuto aquela musiquinha insuportável do Fantástico. Depois tomo os meus comprimidinhos para dormir e só acordo, na terça-feira. Sim, porque segunda-feira me deprime mais ainda...
Saiu decepcionada. Fora incapaz de construir amizades produtivas. Há tempos também não amava. Não conseguia amar a própria mãe. Estava oca em todos os sentidos. Quando conhecia alguém interessante, imediatamente não o imaginava tornando possíveis suas segundas intenções. Até o suicídio fora adiado centenas de vezes. Ao tentar atravessar a rua, completamente presa a suas angústias, Clara sentiu quando alguém lhe puxou o braço. Mal teve tempo de ouvir o motorista vociferando qualquer coisa de dentro do carro e partir.
– O sinal estava fechado.
– Sinal? Que sinal?
– Aquele dali. Agora já abriu. Você está bem?
– Só um pouco assustada. Foi tudo tão rápido.
– Acidentes acontecem num piscar de olhos. Assim diz o meu pai.
– Eu ando tão dispersiva ultimamente. E logo nesta cidade onde as pessoas parecem programadas a fazer só o que é certo. Erros são intoleráveis em São Paulo.
Por alguma razão o rapaz, sim era um jovem de vinte e poucos anos, não conseguiu deixá-la ali, sozinha. O dia indo embora. Tantos perigos. Ofereceu sua companhia até encontrar um táxi. A estação do metrô também não estava longe.
– Obrigada. Eu moro perto.
– Se quiser posso acompanhá-la. Estou sem fazer nada mesmo.
Sentaram-se para um café e nunca mais se deixaram.