sexta-feira, 23 de março de 2012

ADEUS, ADEUS...

ilustracao: Lucas Leibholz

Como gostaria de estar em casa, no Brasil, e ouvir o Plantao da Globo dizer que o humorista Chico Anysio teve alta do hospital e que, mais uma vez, resistiu bravamente. Melhor ainda, que esta curado. Infelizmente nao foi assim. Ele partiu hoje, depois de uma longa batalha contra a morte, travada numa cama de hospital, no Rio de Janeiro. Quase completando 81 anos. Acompanhei aqui da Holanda os boletins medicos e sempre fazendo preces e torcendo muito, porque todos na minha casa sempre fomos admiradores do seu talento. Lembro-me, nitidamente, de ficar acordado ate mais tarde, na minha infancia, apenas para assistir ao Chico Anysio Show e poder ver o Jovem, que era o meu personagem favorito, mas morria de medo quando aparecia o Bento Carneiro, aquele vampirao horroroso que ele fazia tao bem. Vai ser dificil ser original ao elogia-lo ou mesmo prestar essa simples e honesta homenagem, mas e melhor correr o risco do lugar-comum do que ficar em silencio, afinal qual pais nao gostaria de ter tido a honra de contar com um artista como ele, nao e mesmo?
Ha pouco tempo, li o Livro do Boni e um dos capitulos mais bacanas e justamente o que fala do humorista. Vou transcrever um trechinho porque resume bem o talento desse genio do humor brasileiro: “Os personagens do Chico sao mais de duzentos. Um nao tem nada a ver com o outro, em carne, osso e alma. E mesmo sem fazer tipo, se apresentando de cara limpa, com sua voz bem colocada e com um ritmo de narracao perfeito, Chico Anysio e imbativel. Quando precisei dele no Fantastico, o Chico tornou-se a principal atracao do programa, narrando de forma impecavel as aventuras do Azambuja. (…) Nao e preciso narrar a trajetoria de sucesso do Chico na Globo e em outras emissoras, mas vale lembrar o curioso programa Linguinha X Mr. Yes, apos o Jornal Nacional e dava mais audiencia que o proprio jornal, e tambem a eterna Escolinha do Professor Raimundo, que tive a ideia de colocar no ar diariamente, de segunda a sexta e, de forma surpreendente, levantou os indices do horario”. Citei esse trecho nao por acaso. Ha alguns anos eu e meu pai sempre discutiamos em casa o fato de, nos ultimos anos da carreira dele, a Globo nao ter lhe dado um espaco maior, digno. Aquelas participacoes em novelas nao eram suficientes para concentrar todo o seu talento, ainda que em Caminho das Indias ele tenha dado um show de interpretacao como um indiano golpista, impagavel.
Fico triste pela ausencia do artista, mas tambem nao esqueco do homem que lancou tanta gente nova e que esta ai brilhando ate hoje na TV e no teatro, da solidariedade que ele tinha com os seus companheiros de trabalho e da generosidade de saber dividir uma cena, mesmo quando o show era feito so pra ele. Consciente do grande valor que o seu nome tinha no mercado e que sozinho daria conta de qualquer programa, a sua preocupacao sempre esteve ligada aos seus companheiros, por isso sempre trabalhava com muita gente, para poder empregar todos esses artistas que, com o surgimento da TV, e praticamente todos oriundos do radio ou das chanchadas, ficariam sem ter onde trabalhar, onde ganhar a vida. A ultima versao da Escolinha do Professor Raimundo, por exemplo, a que a maioria de nos conhecemos, so foi possivel gracas a essa generosidade. Quando a Escolinha acabou, ele falou pro Boni que muitos daqueles humoristas nao durariam mais de um ano e, infelizmente, seis (se nao me engano) morreram nesse periodo, segundo ele mesmo contou em uma de suas ultimas entrevistas, na Globo News. 
Ta na cara que o Chico morreu contrariado, com um no na garganta, querendo mais vida, reclamando mais espaco na TV (sua grande paixao, alem das muitas mulheres que teve e filhos), mais alegria para o povo brasileiro... Sim porque essa onda de humor-agressao, humor-trocadilho-infame, humor-em-pe-com-exibicionismo, enfim, humor-sem-Humor, isso tudo pode ate marcar uma epoca e. para alguns comediantes, marcar a carreira de forma ate negativa, como o autor de “comeria a mae e o bebe”, mas sera que vale a pena carregar nas costas um legado desses? Prefiro me lembrar dos grandes, do criador do Jovem, do Painho, do Haroldo, da Neide Taubate, do Alberto Roberto, do Bozo, do Coalhada, do Tintones e ate do horrivel Bento Carneiro, O Vampiro Brasileiro. E sao tantos personagens inesqueciveis… Sem contar os bordoes, um melhor do que o outro: “Po, mae, jovem e outro papo”, “Aff”, “E o salario, o!”, “E vapt-vupt” e muitos e muitos outros que tambem estao, ate hoje, na boca do povo. O unico consolo possivel, neste momento, e saber que ele vai ficar na nossa memoria para sempre. Ariano tipico, pra mim Chico Anysio saiu de cena cantarolando Adeus, Batucada, como quem quer dar uma cutucada em algumas pessoas: “Adeus, adeus… Vou-me embora chorando… E guardo no lenco essa lagrima sentida. Adeus batucada. Adeus batucada querida…”. Chico, mestre do humor, artista de mil faces, descanse em paz. O Brasil lhe agradece por tantas alegrias.


Postado por Luis Fabiano Teixeira COMENTARIOS

2 comentários:

Anônimo disse...

Sobre o Chico. Lamentei não ser capaz de poder dizer nada sobre a vida privada de Chico. Lembro-me de seu casamento com Zélia Cardoso.

Faz falta ressaltar a pessoa por traz do profissionalismo. Sou assim. Tenho este defeito. Por conta dele, emudeci. Porém adorei ler suas linhas a respeito do mestre. Sim, eram mil faces!

"Jovem tem cara de bundão"!

Aqueles que hoje não se interessaram ou não puderam conhecer o Chico... Que pena! Sequer merecem ter caras de bundão.

Bento Carneiro não tinha muita vitalidade que sugar de um povo já bastante sugado; AS coisas para ele não saíam bem.

O humor lapidado com a sátira, ladeado pelo engajamento político e representado por negros, brancos, sulistas e nordestinos, mulheres e homens desta nação que apareciam sobre Chico talvez seja um pouquinho daquilo que eu poderia apontar. Certamente, por ter nos dado tanto, ele era mais ainda que tudo isso.

Raphael Martins disse...

Os bons sempre nos deixam né?