quarta-feira, 28 de maio de 2008

DÍVIDA PAGA

Havia prometido fazer um apanhado geral dos últimos livros que li. A lista é enorme, por isso selecionei apenas os mais mais ou aqueles que apresentam alguma curiosidade. Vamos lá. Devo não nego e pago agora.

"A Vida dos Grandes Brasileiros – Castro Alves". Biografia deliciosa do poeta baiano pelas mãos de Francisco Pereira da Costa. Já fui um fã ardoroso de poetas e romancistas românticos, mas hoje não tenho tanta paciência para páginas e páginas de descrições em cor local e nem tampouco sensibilidade à flor da pele para os arroubos da “geração do amor e medo”. No entanto, Castro Alves teve uma vida tão fascinante que vale muito a pena ler essa biografia. O Lauro César Muniz tem um sonho antigo de levar às telas a vida do poeta. Não sei exatamente a que pé anda esse projeto, depois que o novelista foi contratado pela TV Record.

"A Carne" – de Júlio Ribeiro. Há nesse livro o carimbo indelével de “proibido”. Já o censuraram incontáveis vezes por conta da história que foi considerada polêmica pra sua época (final do século XIX). É um pouco cansativo como todo romance naturalista, porque invariavelmente eles pecam pelo excesso de cientificismo e teorias correlatas. Páginas e páginas de descrições que poderiam estar melhor figuradas em qualquer compêndio de geografia, botânica, etc. O interessante é que, já naquela época, havia uma corrente de pensamento que defendia o desejo pelo desejo, o prazer sem culpa. Amor? O amor para esses autores era como um ramo de urtiga a pinicar suas carnes. Observem o que diz Júlio Ribeiro sobre isso: “A palavra amor é um eufemismo para abrandar um pouco a verdade ferina da palavra cio”. Então, tá.

"Primeira Carta Aos Andróginos" – de Agnaldo Silva. Comprei o livro na Bienal de 2004, mas só fui lê-lo agora. Quase todo em metáforas, aborda a sexualidade humana de forma insólita e por vezes cansativa. Tenho a impressão de que em alguns momentos o autor de “Duas Caras” recorreu às suas reminiscências pernambucanas, para compor parte da história. Olha só o absurdo que ele escreveu, lá pelas tantas: “Dizem que todo branco de cabelo ruim tem tendências criminosas”. Ainda bem que eu sou mulato claro, como o Caetano.

"O Incesto" – de Mário de Sá Carneiro. Adoro os poemas dele e também as suas novelas soturnas. Ninguém escreve melhor sobre o tédio do que Mário de Sá Carneiro. Destaco uma passagem do livro e que julgo importante para quem quer trilhar o caminho da criação: “O prazer de criar avantaja-se a todos. Em frente da arte, o artista esquece. A sua dor, se não se cura, suaviza-se pelo menos. A arte é um refúgio. Eis a única utilidade – digamo-lo baixinho: Se não fossem os belos livros da minha estante e as páginas de má prosa que escrevo de quando em quando, há muito que eu teria dado talvez um tiro nos miolos”. Concordo somente com a primeira parte. Há um poema lindo dele musicado pela Adriana Calcanhotto chamado “O Outro” que também vale a pena conferir.

"Dom Casmurro" e "Quincas Borba" – de Machado de Assis. O primeiro tem o seu encanto na forma de contar e não propriamente na história em si. O segundo alcança maior vigor em termos de narrativa, embora com passagens bem enfadonhas. De todos os personagens da literatura brasileira nenhum é tão emblemático quanto Capitu. A propósito, aguardo ansioso a série homônima para a TV, dirigida por Luiz Fernando Carvalho, um dos diretores brasileiros de maior prestígio e inventividade. “Quincas Borba” me despertou para um tema que tenho pesquisado muito: a loucura. Também me fez refletir que não devemos nos fiar em amigos, afinal, eles “entortam o focinho na hora do enterro e depois esquecem até os pirões que já filaram”. Palavras do escritor-lâmina-alagoano Graciliano Ramos.