Ter muito dinheiro ou apenas ser feliz? Terminei me deparando com essa questão, no último final de semana, quando um amigo holandês me sugeriu que eu copiasse o estilo de um artista famoso qualquer e só depois, quando tivesse muita grana, investisse em um trabalho mais autoral. Estávamos numa abertura de exposição, numa galeria de Amsterdam, talvez a única autorizada a vender Picasso na Holanda. A mostra intitulada Homenagem a Picasso tinha lá uma série de gravuras do grande artista e também trabalhos de um outro pintor (que o imita descaradamente), cujos quadros estão à venda acima de 10.000 euros. Achei que fosse uma brincadeira dele, embalada por duas ou três taças de vinho branco, mas ele continuou insistindo naquela conversa e até forjou que uma amiga sua concordasse com ele. Como artista, me senti um tanto ofendido e apenas respondi: "Prefiro seguir fazendo o meu trabalho, que embora não seja genial, é o que me orgulha e me faz feliz".
Achei que tinha encerrado aquela discussão ali mesmo, mas no fundo algo estava me incomodando, principalmente porque acabei uma série nova de trabalhos e vou expor alguns deles junto com mais 13 artistas locais, no próximo sábado. Não foi um trabalho fácil por várias razões, desde o fim de um namorinho (desculpa, sou romântico), passando por mudança de casa, a falta de um atelier e uma dor na coluna que vinha e voltava me fazendo parar por várias vezes. Ainda assim, não fiquei me lamentando, não fiquei chorando pelos cantos, tentei driblar os meus limites e fazer o meu trabalho de forma honesta e do jeito que foi possível, porque eu acho, sinceramente, que o mais importante é fazer, insistir, o ato criador exige essa disciplina. Quem tenta tem mais chances de acertar do que quem fica de braços cruzados. Simples assim. E, se eu ficasse pensando em tendências artísticas ou em quem está bombando nas feiras de arte mundo afora, meu trabalho perderia completamente a sua essência, a sua identidade. E olha que ele já é cheio de referências e intertextualidades. Todas propositais.
Quantos artistas já não fizeram uma releitura da Mona Lisa, por exemplo? E isso não quer dizer que eles perderam subitamente o seu talento ou que esses trabalhos sejam apenas cópias. Em O Rosto-Objeto eu também trato sobre isso. Não quero me apoiar no trabalho maravilhoso dos mestres e muito menos deturpar essas obras famosas, quero apenas mostrar que essas imagens (especificamente rostos) são tão imperativas que atravessaram séculos ou décadas e, mesmo quando eu as trago para um espaço confuso, esquisito, às vezes até sombrio, cheio de pequenos símbolos, onde tinta e papel convivem livremente sobre a tela, elas mantêm a sua força enquanto imagem. E tudo isso tanto pode perturbar o espectador quanto promover uma reação de puro encantamento. O próprio título eu tirei daquele belo ensaio do Roland Barthes sobre o rosto da atriz Greta Garbo. E depois tem a exposição nossa de cada dia nas redes sociais, o rosto assumindo essa função de nos identificar globalmente, para o bem e para o mal… Teve até aquele episódio na Itália, da dona Cecília, uma senhora que sem querer transformou uma tosca "restauração" do rosto de Cristo em piada e… "arte". Por que não? Então como posso jogar todas essas minhas inquietações no lixo para copiar alguém? Faz sentido?
Ser artista não é fácil em nenhum lugar do mundo e essa questão de dinheiro x realização profissional também não é nenhuma novidade. E, depois, seria muita ingenuidade minha buscar uma aprovação das pessoas para legitimar o que eu faço. Pretendo tão-somente continuar fazendo o que me realiza, enquanto eu puder, até quando for possível me expressar e isso me fizer bem. Se atingir as pessoas, melhor. Se não atingir, não tinha que ser. Não vou me lamentar por isso.
Faz pouco tempo que assisti a uma entrevista do artista plástico brasileiro Alex Fleming, que mora em Berlim e de quem sou grande fã, onde lá pelas tantas ele diz uma coisa que já se tornou uma espécie de segundo Cântigo Negro, pra mim: "O importante é que eu fiz aquela obra, aquela obra é importante pra mim. Se as outras pessoas vão gostar, não vão gostar, não me interessa". E quer saber? Tudo na vida deveria ser desse jeito. Não se trata de egoísmo ou autoconfiança, apenas autenticidade e um pouco de orgulho próprio. E orgulho próprio, claro, é bem melhor que orgulho ferido.
Faz pouco tempo que assisti a uma entrevista do artista plástico brasileiro Alex Fleming, que mora em Berlim e de quem sou grande fã, onde lá pelas tantas ele diz uma coisa que já se tornou uma espécie de segundo Cântigo Negro, pra mim: "O importante é que eu fiz aquela obra, aquela obra é importante pra mim. Se as outras pessoas vão gostar, não vão gostar, não me interessa". E quer saber? Tudo na vida deveria ser desse jeito. Não se trata de egoísmo ou autoconfiança, apenas autenticidade e um pouco de orgulho próprio. E orgulho próprio, claro, é bem melhor que orgulho ferido.
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