terça-feira, 16 de novembro de 2010

MONSIEUR PLAS




Se você assistiu ao filme Bonequinha de Luxo, deve se lembrar daquela famosa cena em que Audrey Hepburn namora as vitrines da Tiffany, na 5ª Avenida, em Nova York. Eu nem tinha assistido ao filme ainda e Audrey nem fulgurava entre as minhas musas favoritas do cinema, quando cheguei a protagonizar algo semelhante. Claro que eu não me pareço nada com a atriz (nem pretendo), nunca estive em Nova York e minha paixão nunca foram as jóias, o que realmente balançam os meus bolsos, fora livros e revistas, são os... chapéus. Isso mesmo. Quem me conhece sabe a paixão que tenho por eles. E foi namorando as vitrines da chapelaria Plas, no baixo Augusta, em janeiro de 2006, que conheci o seu proprietário, monsieur Plas, um francês de 83 anos, muito elegante e simpático, cheio de ótimas histórias

Assim que parei em frente à chapelaria, fui logo atraído por suas vitrines e comecei a desejar aqueles chapéus maravilhosos. Era uma manhã tranquila de verão e as pessoas começavam a ganhar as ruas em direção ao trabalho. As prostitutas e os bêbados, tão comuns naquela parte da Augusta, já tinham se recolhido ou se confundiam agora, trôpegos, entre os passantes. Eu é que continuava lá, olhando fixamente para tantos e variados modelos, seduzido por uma boina que me transportou imediatamente ao filme O Grande Gatsby – aquela versão cinematográfica dos anos 70, com Robert Redford, para o clássico de F. Scott Fitzgerald , por isso nem me dei conta quando a porta se abriu. Era Robert, filho de monsieur Plas, me convidando para entrar e ver de perto qualquer um deles. Fiquei realmente tentado a aceitar o convite.
Mas, depois de uma consulta rápida de preços, disse-lhe que voltaria numa outra oportunidade, que sempre estava envolvido em projetos teatrais e que, certamente, algum dia, um de meus personagens usaria um daqueles lindos chapéus. Robert então, gentilmente, me ofereceu um folheto que contava a história do seu pai. Coloquei o papel na minha mochila e saí deslizando pelo Centro. Chegando em casa, afixei o folheto à porta da minha geladeira. As pessoas sempre me perguntavam quem era o velhinho simpático da foto e eu lhes explicava muito entusiasmado a sua história, mas poucas se interessavam por ela de verdade. Por conta disso, imaginei que aquela reação era um termômetro do reconhecimento das pessoas pelo trabalho de monsieur Plas, que raras apreciavam a sua arte, mas o tempo me provaria que eu estava completamente enganado. Ainda bem.

Em agosto deste ano, abro a Folha de S. Paulo e quem está lá? Isso mesmo. O próprio. Acompanhado de seus dois filhos, Maurice e Robert. Muito sorridente, monsieur Plas estampava uma matéria sobre lugares “intocados” de São Paulo. Corri imediatamente os olhos no texto e descobri que a chapelaria existe, desde 1954, quando exibia a placa “Costureiros de Paris”. Sempre no mesmo lugar. Fugindo da Guerra Fria, nosso personagem chegou ao Brasil pelo porto de Santos, em 1951. O seu irmão, que já morava no país, descrevia o Brasil como um lugar de “muito sol e moças bonitas”. Aliás, para se proteger do sol inclemente dos trópicos, monsieur Plas aderiu aos chapéus, mas foi apenas por influência do ator Tarcísio Meira que passou a produzi-los. Chama atenção o fato dele se orgulhar de nunca ter feito uma liquidação: “Quando você trabalha com arte, acho errado liquidar o que faz”.

Há pelo menos uns dez anos, a chapelaria Plas vem recebendo um público mais jovem, mas a sua clientela é também bastante variada, com destaque para personalidades da música como Edgard Scandurra, Ed Motta, Cauby Peixoto, Nando Reis e até a cantora australiana Kylie Minogue. “Veio aqui uma loirinha bonitinha, simpática. Depois fiquei sabendo que era ela” – deixa escapar o modesto Robert. A modelo Gisele Bündchen também já esteve lá fotografando com Bob Wolfenson e o presidente Lula foi votar, nas últimas eleições, com o seu panamá importado pela chapelaria.

A história de monsieur Plas se confunde com a de muitos outros imigrantes que vieram para o Brasil trabalhar com moda – Estevão Brett, Moises Frajhot, Rudy Davidson, David Liberman, entre outros –, mas com um diferencial, ele não sucumbiu aos modismos e tampouco aos caprichos do mercado – mesmo em momentos de crise – e também nunca esqueceu o passado, seja no modo impecável de se vestir ou na sua rara filosofia que dialoga tão bem com aquele pensamento de Godard: não existe resistência sem memória. E não faz muito tempo que retornei à sua chapelaria, para uma rápida visita. Ele estava concentrado no seu livro de yoga, o jornal repousando ao lado. Queria lhe perguntar se tinha assistido à Alice, o que achava do Chapeleiro Maluco. Não trocamos palavra. Mas também não foi dessa vez que eu compraria o meu tão sonhado chapéu, assinado pelo elegante monsieur Plas.

5 comentários:

Anônimo disse...

Fabiano

Muito boa a história, gosto de quem valoriza a arte sem se render aos anos e modismos. Chapéu é algo que fascina a quase todos, muitos não usam por vergonha de ser diferente, já que no Brasil a cultura de se usar chapéu foi eliminada do mapa, juro não sei porque...................
Se um dia nos encontrarmos em SP, irei com você a loja do monsieur Plas.

Abs

CAIRO MORAIS disse...

essas surpreendentes peças pagas pela vida me deixa espantado de alegria de viver o acaso do destino.
adorei ler e encontrar-me aqui nesse post.

Átila Goyaz disse...

Vc tira o foto do homi e não conversa com ele?
Vc e seus cliques inesperados hehe
adorei não conhecia o chapeleiro!
Bjus

Richard Mathenhauer disse...

Monsieur Louis.

Interessante o seu contato com o Chapeleiro da Augusta. E, cá para mim, acho que o grande charme deste seu contato foi justamente... não terem trocado palavras. Ficará sempre esta expectativa, essa promessa de um dia dizer alguma palavra, trocar impressões.

E olha, gostei do que o Sr. Plas disse: "Quando você trabalha com arte, acho errado liquidar o que faz."

Vou torcer pra que você cubra sua cabeça com o tão desejado objeto! rs

Abraços,

Tássio Marques disse...

Lindos demais. Amei.