sexta-feira, 19 de outubro de 2007

ESCAPISMO URGENTE


Vocês devem achar que eu pirei de vez ou estou tentando emplacar uma capa da I-D (o que não seria má idéia rs), mas a verdade é que estou lhes sugerindo um pouco mais de escapismo. Sim, precisamos dele. Depois de voltar pra casa, fui surpreendido com uma série de mudanças, próprias e alheias, falta de trabalho, decepções com amigos e outras cositas más. Pintar tornou-se uma espécie de refúgio, um alento de cores e sensações. Porém, depois de pintar os meus quadros, fiquei com um vazio enorme. Melancólico. Como se precisasse começar outro imediatamente. Como se aquele filho estivesse entregue ao mundo e não houvesse mais nada o que fazer. Ficaria ele, na parede, imóvel, para ser contemplado ou odiado, mas a sua missão de existir já estava cumprida. Desde criança, sempre gostei de desenhar e pintar. Até hoje tenho um desenho de quando tinha uns seis ou sete anos. Lembro-me nitidamente de rabiscar todo tipo de papel que entrava em minha casa. Nem as paredes escapavam. Ali, naquele desenho, podia viver o que a realidade não me permitia. Não tinha preconceito de cores e formas. Tudo obedecia exclusivamente à minha imaginação. E numa Bahia romântica, cheia de referências populares, saía do papel casais de caipirinhas (calma, não tem nada a ver com a bebida, mas com um casal em trajes junino rs), casas cercadas de flores em colinas distantes, etc. Depois vieram as pedras pintadas e os bonecos de barro. Em nossa ampla casa da Góes Calmon, o quintal tinha um barro argiloso, vermelho, que usávamos para moldar também nossos sonhos, numa época em que os brinquedos eram muito distantes e somente podíamos contemplá-los na TV em preto e branco, nos intervalos do programa da Xuxa. Nunca reclamei de nada disso, de não ter tido brinquedos na infância, mas há, sim, uma ponta de tristeza. O último dos filhos a ser batizado, e isso só aconteceria no final da minha primeira infância, sempre ficava com os brinquedos que já não serviam aos meus outros irmãos maiores e devidamente apadrinhados. Tempos difíceis aqueles. Talvez venha daí a minha aproximação com as artes, de um gesto de solidariedade delas para comigo. Já que não tinha brinquedos, então que inventasse os meus próprios. A imaginação sempre fértil. Latente em mim. Outra lembrança dessa época me ocorre agora. Uma vez meu pai jogou um ventilador quebrado fora. Eu e meus irmãos o desmontamos e fizemos coisas inimagináveis. Corria o ano de 1984 ou 1985. Não lembro exatamente em detalhes tudo que saiu daquela geringonça, mas eu, por exemplo, fiz um cachorro com a base do ventilador. “Perdeste o melhor amigo. / (...) Mas tens um cão”. Grande Drummond. Havia também na cidade, minúscula, um rapaz chamado Jairo que fazia grafite em muros. Minha mãe me prometia constantemente que esse rapaz pintaria um Snoop em um tecido qualquer e uma costureira se encarregaria de costurá-lo pra mim. Teria então o que anteciparia o meu único urso de pelúcia, um Petute muito em voga nos anos 80, com sua gravatinha de borboleta, olhos lustrosos e pêlos bicolores (marrom escuro e claro). Presente da minha futura madrinha. “Quem tem padrinho não morre pagão” – filosofava Nete, a mocinha que ajudava em nossa casa. Na mudança para São Paulo, esse urso se perdeu ou foi parar em outro lar. Nunca mais nos vimos. Às vezes, paro no meu quarto/estúdio e vejo o quanto amadureci “artisticamente”. As formas dos meus desenhos que eram tão genuínas, libertas, hoje são polidas e acompanham as tendências da arte pelo mundo. A perda da inocência. Em 1993, conheci Frida e dava início a minha fase vermelha. Sangüínea. Fiquei encantado com a sua história e, principalmente, com a sua pintura visceral. Paixão que seria levada aos palcos, dez anos depois, na faculdade. Lembro-me agora das palavras que encerravam o espetáculo: “Sonhos, sonhos, sonhos. Vou morrer de sonhos”. Disse-nos ela, no alto de sua dor. A dor que hoje também sinto, na minha recente fase azul. É isso, pessoal. A minha temporada das cores está só começando. E a sua?