quarta-feira, 6 de abril de 2011

CARETICE À BRASILEIRA

"O Brasil é um país de jecas" - Odete Roitman

Ontem li no blog do escritor e autor de novelas Aguinaldo Silva que um cigarrinho de maconha do personagem César, da novela Vale Tudo (1988), reprisada com sucesso pelo canal pago Viva, causou um tremendo mal-estar, no último final de semana. Parece mentira, né? Um baseado ainda consegue chocar as pessoas. Eu me choco com outras coisas, com essa violência desenfreada outro dia mesmo um estudante de Letras foi morto brutalmente na frente de casa, praticamente nos braços do pai –, com o corte de R$ 50 bilhões na Educação, com aquela frase racista e homofóbica do deputado Jair Bolsonaro dirigida à cantora Preta Gil, em rede nacional, etc. Talvez essas pessoas desocupadas estejam pensando que o beck de hoje é o crack de amanhã. Tenha a santa paciência! E isso nem é uma defesa em causa própria, muito menos a minha intenção é polemizar, o foco aqui é outro, é a maré de caretice que chegou ao Brasil vinda sabe-se lá de onde (talvez do Irã), a mesma que tem cerceado a criatividade de uma série de autores de TV que sempre admirei.


Tenho insistido que essa classificação indicativa do governo, uma espécie de censura disfarçada, tem tornado a TV brasileira um grande tédio – punição por aqueles excessos malditos dos anos 90: sushi erótico, Latininho, Programa do Ratinho, concurso da boquinha da garrafa, etc. Basta dar uma zapeada no controle remoto para percebermos o quanto os autores estão engessados. Luta, até o momento, inglória. Por isso as apimentadas séries americanas estão ganhando cada vez mais espaço por aqui. Com alguma criatividade, mas enredo lento, Gilberto Braga e Ricardo Linhares tem demonstrado certa ousadia no texto de Insensato Coração, mas nem todos podem comprar essa briga. Por curiosidade, fui ao You Tube e assisti a vários vídeos de Vale Tudo e percebi como o texto é delicioso, crítico, a melhor novela de todos os tempos, sem dúvida, mas um remake hoje não faria o mesmo sucesso. Pelo menos, a megera Odete Roitman jamais poderia dizer aquelas barbaridades sobre o Brasil e os brasileiros, sem que a Globo fosse bombardeada de reclamações. Como humilde escriba que sou, fiquei imaginando como escreveria um personagem racista para a TV, sem que ele pudesse se expressar como tal. Desisti no esboço. Haja criatividade!


E o pior é que existe até uma falta de critério pra essa caretice toda, coisas muito bobas ganham dimensões extraordinárias. Sem fazer muito esforço, me lembrei agora de que a capa de um DVD da Marisa Monte, por exemplo, provocou reboliço entre os xiitas de plantão porque, segundo eles, sugeria “sexo oral” – um verdadeiro absurdo! Não faz muito tempo também que o diretor de teatro Gerald Thomas foi até parar na primeira página do The New York Times porque mostrou o traseiro à meia dúzia de gatos pingados que detestaram uma de suas peças (ele foi até processado por isso). Saiu na imprensa, em fevereiro, que a série Aline, que eu achava bem interessante, na sua segunda temporada, teria sido suspensa pela Globo, faltando ainda 4 episódios, porque numa das cenas havia a sugestão de um ménage à trois. (Ué, e a minissérie “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1998) era o quê então?). Muito recentemente, o jovem cartunista João Montanaro, do jornal Folha de S. Paulo, fez uma charge que ilustrava uma onda gigante sobre o Japão (Não vi nada de ofensivo e nem grotesco. Mesmo!), um dia depois da tragédia que se abateu sobre aquele país, mas a própria classe saiu lhe atirando pedra. Uma expressão que eu achava deliciosa, samba do crioulo doido, foi banida da nossa língua, tornou-se politicamente incorreta e passível até de cadeia. Bem, exemplos não faltam. E eu nem falei do famigerado “beijo gay”. É por essas e outras que, no último Rock in Rio (2001), o baixista do Queens of the Stone Age, decidiu se apresentar pelado e se espantou quando foi retirado do palco pela polícia. “Mas aqui as pessoas não ficam assim, no carnaval” – teria se defendido. O que responder para o rapaz? Que existe pecado, SIM, do lado de baixo do Equador?


O assunto é confuso mesmo, envolve questões culturais, políticas, econômicas, sociais e até geográficas. Uma vez assisti a uma entrevista de um desses comediantes de stand up onde ele afirmava que nos Estados Unidos é diferente, existe lá uma liberdade maior para contar piadas, enquanto aqui há uma certa resistência a determinados assuntos e que por isso ele precisava evitá-los. Não sei se vocês também tem percebido isso, mas achei que seria um assunto interessante para reflexão. E que fique claro também que as pessoas tem todo o direito de serem “caretas”, eu as respeito, até a escritora Marina Colasanti, de quem gosto muito, escreveu uma vez: “Tem gente por aí dizendo que caretice é ruim. Mentira, lá em casa somos todos caretas, e achando ótimo”. Tá certo, Marina, mas isso foi lá nos anos 70!

9 comentários:

Clenio disse...

Oi, Luis Fabiano, tudo bem?

Essa semana mesmo eu estava conversando com um grupo de amigos e falamos justamente em "Vale tudo" e na "TV Pirata", dois ícones absolutos da cultura televisiva dos anos 80 e em como eles são inesquecíveis porque não tinham amarras que os prendessem à mediocridade do politicamente correto.
Concordo que estamos passando por uma fase de ressaca depois dos exageros de vulgaridade mas isso não deixa de ser extremamente frustrante.
Odete Roitman tinha falas memoráveis exatamente porque não tinha papas na língua, mas hoje em dia as emissoras (ao menos a Globo) tem medo de ousar. Esse temor em relação à ousadias é que deixa a TV tão tediosa... Claro que condeno baixarias de qualquer tipo, mas não podemos deixar que a censura volte (mesmo que disfarçada).

E, sim, é muito mais obsceno e digno de discussões a violência, a miséria, a ignorância e a intolerância.

Estava com saudade dos teus textos.

Beijos
Clênio
www.lennysmind.blogspot.com
www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

Melogja disse...

Olá Luiz tudo bem?!
Pois é, um tema realmente ‘polêmico’(?), cheio de vertentes!
Pq nos anos 80 tia Odete podia chamar o povo de burro e hoje em pleno século 21 não pode!? Direitos humanos? Cidadania? Ou nosso nível educacional melhorou 100%?..kk
Pq um casal(hetero) pode transar em pleno horário nobre e ate rolar um triangulo amoroso(as vezes quadrado) e não se pode dar um selinho gay ao menos?
Pq podemos assistir aos desfiles de carnaval(q amo..rs) cheio de tetas a mostra em pleno canal aberto e não podemos ver um roqueiro(a) nu no palco ou um nu masculino?? Pudor? Machismo? Mamãe não deixa, o papa não deixa? Igrejas não permitem?
Pois é, qdo tento pensar numa resposta, so penso em mais perguntas e volto a estaca zero; Estamos vivendo em um período q me parece ser de transformação, é lenta, mais se percebermos ela esta acontecendo, para melhor ou para pior não sei!! Veja nosso querido(rsssss) deputado Jair Bolsonaro, ele nada mais é do que o fruto de uma sociedade machista, puritana, homofobica, racista(aff muitos elogios, vou parar..rss) ele representa um grupo grande de pessoas que lhe deram o mandato, pessoas que fazem parte da nossa sociedade, e não me espantaria nada se ele na próxima eleição tiver o dobro de votos! Nada é impossível, embora prefira acreditar q teria menos, mais tudo não passa de hipocrisia, nossa sociedade vive sobre e sob a má-drasta hipocrisia.. quando falo em transformação estou me referindo as igrejas, aos Bolsonaros da vida, todos estão mostrando sua face, mesmo indo contra o politicamente correto eles estão se mostrando e dizendo a q vieram, basta saber se terão adversários a altura!?

Angélica Oliveira disse...

Oi Luis,

Eu acho que o que existe no Brasil não é caretice, é excesso de hipocrisia. Veja bem, é normal sair pelado no carnaval, é normal praticar sexo embaixo do edredom em um reality de uma grande emissora, é normal usar biquíni fio dental na praia, mas não é normal permitir um beijo gay (essa a maior hipocrisia de todas, gay tá na moda, então vamos colocar na novela/reality, mas não pode beijar e nem falar do namorado, tá?), não pode fazer topless (no carnaval elas cobrem o mamilo e dizem que o seio não estava exposto).
Eu assisti vale-tudo há mil anos, não lembro exatamente da trama, lembro que a Odete Roitman era politicamente incorreta, dizia tudo o que ela (e a maioria de brasileiros de classe média/alta) pensava e mesmo assim é a vilã mais adorada de todos os tempos. Quem não ama Odete Roitman? Tantos anos passaram, tantas vilãs, e quem ficou na memória do público? Por que será isso? Hoje em dia um autor jamais poderia colocar em uma novela um personagem como ela, tal e como você disse, pois muitas pessoas se sentiriam incomodadas porque revelaria o pensamento de uma classe.
Eu sou politicamente incorreta, não tenho preconceitos, e isso hoje em dia é considerado errado. “Como assim você apoia o casamento homossexual e o direito de adotar uma criança?” As pessoas se surpreendem quando peço igualdade em voz alta e agem como se isso fosse errado. Deveríamos nos surpreender com pensamentos contrários e separatistas e ñ com pensamentos de igualdade e união.
E o caso do Bolsonaro...é a opinião dele, ele tem todo o direito de ser homofóbico, racista e machista. Quem sou eu para falar que ele deve ou não pensar de uma determinada maneira? Eu discordo dele com todas as minhas forças, muita gente pensa igual a ele, só que cala a boca. O que eu acho errado é darem toda essa audiência a ele, toda essa atenção, pois creio que muita gente está mais a favor do que contra ele.

Escrevi demais, como sempre!!!
ótimo texto!
beijos

GilsonBicudo disse...

“O Brasil é o único país em que além de puta gozar, o cafetão sentir ciúmes e traficante ser viciado, o pobre é de direita.” Essa é do maravilhoso Tim Maia, parafraseando Nelson Rodrigues.

Por essas e outras é que cada vez amo mais o Lobão. Não por concordar com tudo o que ele diz, mas por ele ter coragem de dizer aos quatro ventos sua visão do país e dos brasileiros, mesmo que leve paulada. E ele leva muitas pauladas. Chego ao exagero de dizer que ele é uma das poucas mentes pensantes na mídia que está vendo e apontando o caminho medíocre que o país resolveu pegar.

Um pouco na linha do inconsciente coletivo do Jung, os países às vezes são como as pessoas. Ficam tristes, alegres, se deprimem, enlouquecem, têm neuras e tudo mais. Eu diria que o Brasil está ficando (ou sempre foi) um país esquizofrênico.

A mente coletiva do país está doente. E, como todo esquizofrênico, não tem consciência de sua própria disfunção mental e recusa tratamento. Como agravante, ou mesmo como causa básica, está a baixíssima qualidade, quando existente, do nosso sistema educacional. Daí a sensação de certa regressão no comportamento nacional: cada nova geração tem um déficit educacional maior que a anterior.

Por conta dessa burrice coletiva, o país não consegue ter profundidade nos assuntos importantes como as drogas, a violência, etc. Não consegue distinguir entre qualidade e porcaria, esmola e assistência, valores positivos e valores negativos, prioridades e supérfluos. Fica tudo meio invertido, incoerente e errático.

Apesar de otimista por natureza, não consigo ver um futuro próximo melhor. Acho que mergulharemos ainda mais na ignorância, intolerância, falso conservadorismo, etc. Não porque somos um caso perdido, já que a solução existe: educação com qualidade.

A estória de que oito anos é pouco tempo pra arrumar o Brasil é outra balela do Lula que faz sentido aos ouvidos da maioria, que desconhece a História. Vide o caso da Alemanha e do Japão, países literalmente destruídos em 1945 e praticamente refeitos já em 1975. Levaram somente vinte anos pra sair do nada e chegar à condição de nações desenvolvidas.

Por enquanto, vamos utilizando as brechas, como seu espaço, para tentar o debate, ou pelo menos, a oportunidade de se expressar livremente. Obrigado, Luis!

GB

Anônimo disse...

Grande Fabiano, excelente texto!!!!
Estamos todos entediados de tanta hipocresia e tanta polêmica com fatos cotidianos que já são totalmente normais e já deveriam ter sido absorvidos por toda a população.
Concordo com todas as partes de seu post, incrivelmente bem escrito e estruturado traçando uma régua na realidade obscurecida.
Temos que acordar para a realidade e se importar com fatos que são relevantes e não ficarmos presos a caretices.

Um abraço enorme

jair machado rodrigues disse...

Parabéns, ótimo texto, sintetisou e atirou para todos os lados, que na verdade não tem lado nenhum...estatmos assim, parecendo que "chapados" já que começou falando no "baseado da novela", mas uma chapação triste (se é que existe chapação alegre). Não queremos ver, nem nos esforçamos, é muito fácil atirar a primeira pedra, ou um monte, que é o que todo mundo faz quando o que acontece não esta estabelecido em seus conceitos, o que eu acho que é o que é certo (costumamos pensar assim...ficaria fácil demais dizer que os outros pensam assim) faço parte desse todo, e sei de minhas fraquezas, mas tou tentando melhorar, conhecer, rever conceitos, nada é absoluto, enfim...adorei teu post.
ps. Um grande abraço

Alvaro Lucard disse...

Concordo plenamente contigo Luis, recentemente passei a acompanhar o Viva e vejo o show de textos maravilhosos tínhamos naquela época em que se pensava que exista a censura, lembro até que antes dos programas aparecia um documento da censura, mas percebia que se tinha muito mais liberdade no escrever e mostrar na TV. Curioso como os temas abordados por você são tratados cmo bicho de outro mundo, enquanto que vangloriam filmes onde mostram a história de ex-traficantes de drogas e de ex-prostitutas, e ainda tentam empurrar goela a baixo um monte de porcaria que existe na TV, salvas as exceções, com Aline, Divã, e muitos outros programas que acabamos descobrindo ao zapear os canais. Está um verdadeiro samba do crioulo doido. Já cheguei a ouvir o absurdo que a música infantil "Boi da cara preta" havia sido proibida, ora se falar que o boi tem cara branca, vai discriminar os brancos, se tem cara amarela, os amarelos, cara rosa, os rosas. E por aí vai. Nunca vi tanta babaquice na TV brasileira. E como disse nossa colega, tanta hipocrisia!

Papai Urso do Interior disse...

Último texto digno na tela global foi mesmo A Favorita, que novela, que texto! De lá pra cá parei com a Globo, pra mim aquilo lá já deu, eles tinham de reprisar Vale Tudo e tudo mais que foi sucesso, não no Viva, mas em TV aberta mesmo. O politicamente correto acabou com os diálogos inteligentes, as sacadas, as sutilezas, os ganchos que nos faziam grudar na TV no dia seguinte. Considero João Emmanuel Carneiro (Da Cor do Pecado, Cobras & Lagartos e A Favorita) a última esperança em novelas. Nem Sílvio de Abreu me fascina mais, o que foi Passione senão uma sucessão de equívocos? E aquela droga de segredo do Gerson que coisa patética! Perde-se oportunidade de discutir coisas novas o tempo todo e fica-se sempre na velha fórmula... Insensato Coração presta desserviço ao apresentar Natalie Lamour ou Deborah Secco fazendo a mesma personagem de Suave Veneno e Celebridade com outro nome, o Brasil não precisa de futilidade e burrice, isso as mulheres-fruta, popozudas do funk e mairas-chuteira já fazem desde sempre. Triste quando penso que na minha infancia e adolescencia, novelas eram nosso principal produto televisivo, o país parava pra assistir e vibrar a cada capítulo, isso não vai mais acontecer, fato. Tudo ficou assim muito chaaaaaaato... Ah a proxima do João Emmanuel Carneiro é pra 2012, essa não perco, vou ver novela de 3 em 3 anos agora, e se ele ficar careta como Sílvio de Abreu páro geral, rsrsrs.

Alex Gonçalves disse...

Por isso digo, ser brasileiro inteligente como nós em um país com valores dubios e hipócritas é tedioso, cansantivo e frustrante.
Abs