segunda-feira, 23 de agosto de 2010

NAS ASAS DA IMAGINAÇÃO


Só hoje me dei conta de que tenho assistido a uma infinidade de dramas. Pra mim, filmes com histórias tristes rendem roteiros mais elaborados, o que nem sempre é verdade, mas por ter inventado essa teoria maluca e, como seu único adepto (creio eu), tenho que honrá-la de alguma maneira. E haja lencinhos de papel! Sim porque, no final de cada um deles, quase sempre, me pego chorando. E não tenho o menor pudor em confessar isso. Vejam bem, apenas confessar rs. Foi assim com “Philadelphia, “Dançando no Escuro”, “Antes que Anoiteça”, “Gia”, “Frida”, “Mar Adentro” e muito recentemente “Cinema Paradiso”, “Vermelho Como o Céu” e o ótimo “O Escafandro e a Borboleta”, este último a motivação deste post. Lembro-me de uma vez, na faculdade, a professora de Literatura Inglesa ter passado o filme “Uma Lição de Vida”, com a ótima Emma Tompson. A história mexeu tanto comigo que precisei sair de fininho, no meio da sessão. Por pura vergonha de ser flagrado chorando. Com o excelente “O Escafandro e a Borboleta”, de Julian Schnabel, a experiência foi bem parecida. Embora não tenha derramado uma única lágrima, parei de assisti-lo diversas vezes e me questionei se, realmente, deveria fazê-lo. Tudo por conta do sofrimento extenuante do seu protagonista. Depois, cheguei à conclusão de que um filme que me faça ter esse tipo de questionamento já é um candidato natural a merecer a minha atenção, ainda que de forma indisciplinada. Então resisti e fui até o final.

O começo do filme é um desafio ao espectador e logo vocês entenderão por que. Antes, porém, vamos ao roteiro, que, aliás, não é muito diferente de qualquer outro sobre doenças devastadoras ou pacientes em fase terminal. Jean-Dominique Bauby, interpretado por Mathieu Amalric, é editor da ELLE francesa e bastante apaixonado pela vida. Enquanto dirige seu carro, ao lado de um de seus filhos, sofre um AVC (acidente vascular cerebral). Apesar de manter-se lúcido, é acometido por uma terrível paralisia. Seu único movimento vem do olho esquerdo, o qual, através de piscadas, passará a se comunicar com as pessoas. Uma piscada corresponde a “sim” e duas a “não” (a câmera subjetiva também abre e fecha, nesses momentos. A mim causou muito incômodo). Esse simples método evoluirá para a indicação de letras, que por sua vez constituirão as palavras com as quais ele irá se comunicar melhor. O final nos reserva uma linda surpresa que tem a ver com o título do filme. Se você, assim como eu, também não sabia o que é um escafandro, vou facilitar a sua vida. Escafandro é uma espécie de armadura usada por mergulhadores. Nas forçosas alucinações de Jean-Do, ele se vê no fundo do mar paramentado com essa armadura, símbolo do seu imobilismo. Já a borboleta representa a sua imaginação que, como sabemos, já nasceu sem limites e pode ser tão bela quanto desejarmos. Mas o filme não tem só sofrimento, há também um pouco de humor nos gracejos em off do protagonista, o que lhe confere momentos pontuais de leveza.

Sendo o diretor Julian Schnabel também artista plástico, a fotografia só poderia ser bela e bem cuidada. As imagens tanto em flashback quanto das fantasias de Jean-Do são maravilhosas. Com o perdão do trocadilho, verdadeiras pinturas. A trilha sonora também é tocante, sem parecer piegas. Tem uma música na voz do Bono Vox que me instiga garimpá-la, desde então. No entanto, o que mais me arrebatou foram as cenas que demonstram a relação afetuosa do protagonista com o seu pai. Quando ele termina de fazer a barba do pai, por exemplo, que é bastante idoso e está debilitado, o velhinho de 92 anos lhe confessa que sente muito orgulho dele. Essa lembrança irá confortá-lo, tempos depois, quando ele se encontra numa situação irrecuperável, prisioneiro do próprio corpo. “O reconhecimento do meu pai foi tão confortante e agora é ainda mais. Todos somos crianças. Todos precisamos de reconhecimento” – diz ele, em off. O telefonema do pai para ele, no hospital, interrompido às lagrimas, é também outro momento de forte emoção.

Fazer um filme desses deve ser muito arriscado. Um salto sem rede e no escuro. Qualquer descuido pode levá-lo ao sentimentalismo barato. Embora esses temas comovam plateias, não dão garantias de que vão atingir o coração das pessoas. Muitas vão tirar lições preciosas, outras não verão nada demais, o que não quer dizer que sejam também insensíveis. A minha leitura, por exemplo, também não é das mais apaixonadas. Mas gostei bastante da ousadia do diretor, das interpretações dos atores e, sobretudo, da ideia de que uma imaginação inquieta é realmente uma força salvadora. É isso. Fiquem à vontade para revelar quais são os seus dramas favoritos. Vou dar um pulo em São Paulo. Então, deixo para fazer a ronda na bloguesfera, na volta. Abração!!!

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

MICROCONTO


MANEQUIM
Porque não cedeu às suas investidas sexuais, Valdomiro a roubou da vitrine e fez amor com ela.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

SIMPLESMENTE SÓ


Sempre admirei o trabalho do estilista e agora diretor de cinema Tom Ford pela sua ousadia, senso estético refinado e, principalmente, pela sua “fome de beleza” em tudo. Assim que soube que ele dirigiria A Single Man (me recuso a usar o título em português), não o levei muito a sério. Tinha lido, há uns três anos, o livro homônimo de Christopher Isherwood, encontrado por acaso num sebo, e achei a narrativa terrivelmente lenta, embora o assunto me interessasse bastante. Era esperar pra ver, mas eu tinha quase certeza de que nem toda a sua criatividade o salvaria de um fiasco. Mas, para minha surpresa, ele não só se saiu um ótimo diretor, como o filme se revelou melhor que o livro. Sei que esse tipo de comparação é sempre injusto, mas não vamos nos ater a esse detalhe por enquanto.

Na época do lançamento, que não faz tanto tempo assim, me recordo de ter lido críticas bastante mornas. Algumas pessoas reconhecendo apenas o ótimo aspecto visual do filme e alguns críticos muito impacientes com a lentidão da trama. No entanto, todos concordaram numa coisa, a péssima tradução brasileira para o título. Um Homem Solitário foi rebatizado aqui de “Direito de Amar”. Em Portugal também não foi diferente, os lusos chamaram o filme de “Um Homem Singular”. Nenhum dos dois reflete a essência da história, a solidão imposta pela perda de um amor (no caso, entre homossexuais), apenas serviu para reafirmar o preconceito diante do assunto. Broncas à parte, vamos ao roteiro que é de uma simplicidade absurda: um dia na vida do cinquentão George (interpretado pelo excelente ator inglês Colin Firfh), um professor de literatura de uma universidade da Califórnia, que passa meses sofrendo pela perda do companheiro, morto num terrível acidente de carro, em 1962. O filme vai o tempo todo fazer essa ponte entre passado e presente, entre os momentos bacanas que os dois viveram juntos e o estrago que a ausência de um causa na vida do outro. O diferencial fica por conta da interpretação brilhante de Firfh que não precisou de nenhum artifício extra para tornar crível o seu personagem. É um dos melhores trabalhos de interpretação já vistos nos últimos tempos, sem dúvida. Todo focado no lado psicológico, mas sem exageros. E o mais curioso: num filme sem uma única curva dramática. Totalmente linear. Até bonito demais. Um editorial de moda em movimento.

O verbal é radicalmente superado pela imagem. Começando pela fotografia que, como era de se esperar, é extremamente linda. Os figurinos, que foram muito aguardados também, são impecáveis. Os ternos, por exemplo, são todos bem cortados, enquanto os óculos e suéters no melhor estilo geek dão um charme todo especial ao vestuário masculino. Há ainda referências visuais à atriz Brigitte Bardot e uma trilha sonora pra lá de sofisticada. E quem achava que Tom Ford esqueceria o seu lado “hot”, que o tornou mundialmente conhecido, se enganou também. A aparição relâmpago do modelo Jon Kotajarena, interpretando Carlos, um espanhol que por um momento tenta seduzir George, não deixa dúvidas de que o diretor abriria espaço também para provocar a libido de meninos e meninas. Tudo muito cool, poético e, principalmente, delicado.

Podemos abordar duas questões diferentes: as pessoas estão abertas a uma experiência mais contemplativa, a partir de um filme que é essencialmente cult”, no meio de tantos e imbatíveis blockbusters? Queria Tom Ford dar um recado à comunidade gay para que se pense menos em relações flutuantes e mais em afeto, mas sem se parecer panfletário? Eu mesmo só consegui pensar numa coisa, na forma como George encara a sua finitude diante do espelho, ora com coragem, ora pateticamente hesitante, como convém a pessoas frágeis. Ou simplesmente na ideia de morrer. Por amor.