Um ano antes de sua morte, a escritora Clarice Lispector deixou escapar que estava “perplexa” com o tamanho de sua popularidade, afinal as pessoas nunca chegaram aos seus livros sem algum obstáculo e o grande assédio da imprensa e dos leitores, naquele momento, presumia que ela estivesse sendo “entendida”. “Será que estou na moda?” – lançou no ar a pergunta que, por mais banal que fosse, por vir dela, logo ganhou uma dimensão extraordinária. Se naqueles idos de 76 ela já era uma referência da nossa literatura, pode-se dizer que, hoje, ganhou também o status de “fenômeno”. O escritor Moacyr Scliar que esteve nos Estados Unidos, na semana passada, especialmente para palestrar sobre ela, resumiu muito bem esse crescente interesse: “Existe uma febre de Clarice”. É verdade, há na internet uma celebração incontida da sua obra, a sua nova biografia tem vendido como pão quente, a premiada peça “Simplesmente Eu, Clarice Lispector”, em cartaz em São Paulo, teve os ingressos das duas primeiras semanas esgotados com antecedência, a exposição "Clarice Lispector – A Hora da Estrela" é um sucesso por onde passa (tem nos arquivos do Blog de 2007), enfim, só faltam mesmo uma cinebiografia e uma minissérie na Globo. E todos querem, de alguma forma, desvendar os mistérios dela, como se isso fosse possível.
Acredito, particularmente, que parte do seu encanto reside na “personagem”, na mitificação, na “mulher-enigma”, naquele olhar ameaçador, na “bruxa” envolta pelo manto da solidão e repleta de pensamentos inquietantes. Por isso ao escrever a minha nova resenha, “Clarice, Ainda uma Pergunta”, para o site Aplauso Brasil/IG, fiz questão de enfatizar que, embora a biografia do norte-americano Benjamin Moser seja o trabalho mais completo de investigação sobre a vida dela, está longe de ser definitivo. A repercussão foi ótima e agradeço àqueles que já leram e se sentiram motivados a conhecer melhor o universo dessa grande escritora. Segue o link: http://colunistas.ig.com.br/aplausobrasil/2010/04/26/clarice-ainda-uma-pergunta/
Vou contar um pouquinho de como me tornei fã da Clarice. Fã porque tenho quase todos os livros, algumas edições raras e mais uma série de revistas, camiseta, quadro e até ímã de geladeira eu já tive. Ninguém nunca me indicou os livros dela, nem no colégio, eu simplesmente a descobri ou ela me escolheu, não sei. O fato é que ainda adolescente, acostumado a “roubar” os livros de Língua Portuguesa do meu irmão mais velho, cheguei ao belo conto “Uma Amizade Sincera”, que li de um só fôlego, numa noite insone e de favorável silêncio. Nunca esqueci a minha reação depois: “Como alguém pode entender tanto os meus sentimentos dessa forma?” – disse, com um certo embaraço. Com o passar do tempo, a nossa “relação” ganhou um tom mais grave, mas não menos apaixonada. Comecei a ler os seus livros mais densos, a estudá-los e a indicá-los insistentemente aos amigos. Sim, porque ela não ganha só na releitura, mas também no boca a boca. É o sucesso do seu efeito multiplicador. Os blogs, as comunidades do Orkut e o Twitter existem justamente pra isso.
Por conta da resenha, quis ler um livro que ela leu aos 13 anos e que a deixou em estado de “choque”. Também a influenciou bastante, embora nunca admitisse, o que entendo como parte da sua ficcionalização. Trata-se do complexo e perturbador “O Lobo da Estepe” (1927), do escritor Hermann Hesse, romance sobre o esquisito Harry Haller, um cinquentão recluso, intelectual, em permanente estado de angústia e imersão em si mesmo. Talvez, precisasse estar num momento menos “lobo da estepe”, para vê-lo com um certo distanciamento, mas, mesmo assim, o recomendo como obra-prima. E digo mais, à primeira lida, assim como foi pra Clarice, me espantou também. Cheguei a me reconhecer em trechos inteiros do livro, mas, claro, não substitui uma sessão de análise rs. Num dos raros momentos otimistas, o autor escreve: “E mesmo a mais infeliz das existências tem os seus momentos luminosos e suas pequenas flores de ventura a brotar entre a areia e as pedras”. Pensando assim, Clarice que teve uma vida repleta de sofrimento teria nos legado um vasto jardim de rosas ou girassóis. Estes últimos, aliás, admirados por ela por sua generosidade contida no movimento de “virar sua enorme corola para o lado de quem o criou”. E hoje somos nós quem nos curvamos a ela. Num gesto de profundo e sincero agradecimento.
Obrigado a todos pela excelente repercussão do post anterior, fiquei bastante feliz. O texto também já chegou ao site Culture-se. Mas já que o assunto de hoje é Clarice Lispector, deixo a vocês um pequeno desafio, pra mim imenso, o de reproduzir a frase da escritora de que mais gostam ou comentar sobre um livro dela que os marcaram. Pra mim essa é uma tarefa difícil, mas, por uma questão afetiva, fico com “Amizade é matéria de salvação” e quanto ao livro ainda não me decidi rs. E a ilustração que fiz vai de presente para uma pessoa muito querida e que faz aniversário esta semana rs. É isso. Abração!