sexta-feira, 20 de julho de 2007

O REENCONTRO

Marcelo a esperava com certa tranqüilidade. De cima do Morro do Maluf parecia ainda mais desafiador. Sentia-se poderoso ali. Percebeu que a pedra estava escorregadia. Recuou. Não era bobo. Ventava muito forte. Marcelo tinha predileção por dias assim. “Que belezinha deve ser Londres” – sonhava. Olhou para o céu manchado de um cinza muito escuro. Alegrou-se. Tirou do bolso um cigarro, o mais vagabundo. Acendeu com dificuldade. Tragou. Sentiu-se mais relaxado. Consultou o relógio e nenhum sinal de Letícia. “– Talvez, tenha desistido” – pensou em voz alta. Imediatamente voltou atrás: “– Não. Não é do feitio dela”. Não se passou dois segundos e Letícia chegou. “– Falou no diabo...” – e não houve tempo de pensar em mais nada. Vinha vaporosa em sua direção, num vestido lilás, estampado de rosas brancas. Começou uma chuva miúda, triste e constante.
– Não posso demorar muito. Só vim mesmo porque ainda te considero. Saí de casa feito uma doida. Só fui perceber que tinha esquecido o guarda-chuva, quando já estava no ônibus. Aproveitei que estava por aqui mesmo e fui dar uma espiadinha no mar. Coisa rápida. As ondas tão violentas! Se me atrasei, foi pouco. E que lugarzinho este, hein? Tive que subir em dois pulos. No meio da encosta, uns pedreiros começaram a mexer comigo. Fiquei assustadíssima. Ah, desculpa. Eu e minha mania de falar pelos cotovelos, não é? (seca) O que você quer comigo?
– Você.
– Por favor, Marcelo. Você não me chamou até aqui pra me dizer isso, não é? Francamente.
– Não.
– Ah, fico mais tranqüila. Então desembucha de uma vez, porque daqui a pouco vai escurecer e eu preciso voltar pra casa. Você sabe que eu não tenho condução própria. Ainda. O Mourão prometeu tirar uma moto pra mim. Seminova, pra começar. Eu nem deveria tá te contando essas coisas, porque você pode achar que é pra te fazer ciúme, mas eu juro que não é a minha intenção. (desejando mudar de assunto) Só, ontem, fui me dar conta de que estou namorando, pela segunda vez, um cara com a letra M. Que coincidência, não é?
– Verdade.
Letícia olhou em redor, contemplativa.
– Lembro como se fosse hoje a primeira vez que você me trouxe aqui, naquele fusquinha do seu amigo. Transamos e tudo. Eu era tão boba. A subida foi um sacrifício, mas depois valeu a pena. Tenho até um pouco de saudade daquela época, sabia? Você pode não valer um centavo, mas tem uma pegada! O Mourão que não me ouça, ai meu Deus! Essa chuvinha fina também me deixa nos nervos. Fica esse chove não molha. Ô, São Pedro, se decide né, meu nego? Por que você também gosta tanto de chuva, hein? Que troço estranho.
– Porque ela só vem quando quer. Não é intrometida como o sol.
– Sempre essa mania de ser diferente. Você não muda mesmo.
– Você quer que eu mude?
– Sinceramente? Não. Eu só dou pitaco agora naquilo que é meu. Portanto cada um na sua, meu filho. E eu tô muito bem com o Mourão, obrigada. (desejando mudar de assunto) Nem te conto. Ele vai comprar um carrinho de lanche pra minha mãe. (orgulhosa) É um cara de posses, sabe como é. Dona Zefina tá numa alegria só. Não sabe mais o que fazer pra agradar o genro. Sim, porque nosso casamento é dia menos dia. Fato consumado. No duro.
– Tô sabendo.
– A Claudete acha que a gente tem que ostentar um pouco. Fazer um churrasco maior, com muito mais cerveja, chamar os garotos do Quebra Galho pra dar uma animada, sabe como é? É aquela história, casamento não é todo dia.
– Também acho.
– Só no cartório mesmo. Nada contra casamento na igreja. Nem sou também uma alma perdida. É que eu não quero muitos rapapés, sabe? (com uma ponta de tristeza) Não fica, assim, Marcelo. Eu sei que você queria estar no lugar dele. Mas há males que vem para o bem. O meu caso, por exemplo. Sofri no começo, mas depois veio a compensação. O Mourão é tão... Tão humano. Aprendi isso numa novela. Achei bonito...
Marcelo já não suportava aquela lengalenga. Uma grande raiva foi lhe dominando o espírito.
– Que cara é essa, Marcelo? Pára com isso! Tô ficando nervosa. Com medo...
Letícia ainda lhe estendeu uma mão com humildade. Balbuciou alguma coisa. Provavelmente um último pedido. Uma súplica de socorro. Tudo em vão. Ela reencontraria o mar dali a poucos segundos e Marcelo ainda ficou, lá em cima, rindo com aquele seu jeito ruim de ser. Como um monstro moderno. E, já satisfeito, voltou pra casa. Como se nada tivesse acontecido.