sexta-feira, 20 de julho de 2007

A HORA DE CLARICE


Meu primeiro contato com um texto de Clarice Lispector ocorreu, na minha adolescência. Costumava tomar para mim os livros de literatura do meu irmão mais velho e, num deles, estava o maravilhoso conto “Uma Amizade Sincera”. Li. Reli. Nunca mais parei. Até hoje é um dos textos que mais me tocam. E depois vieram: “Laços de família”, “A hora da estrela”, “Água-viva”, “Uma Aprendizagem ou O livro dos prazeres” e “Um sopro de vida – pulsações”. Fui lendo cada um, sem muito critério, dependendo exclusivamente do meu estado de espírito. Já reservei a “A paixão segundo G. H.”, para um momento de tranqüilidade. E, claro, pretendo continuar descobrindo o mundo de Clarice. Não tenho pressa. Quando soube que o Museu da Língua Portuguesa iria fazer a exposição “Clarice Lispector – A hora da estrela”, fiquei exultante de felicidade. Orgulhoso. E não tenho a menor vergonha de confessar esses pequenos atos gratuitos e apaixonantes da vida. Aproveitei para ir num sábado (sim, porque é de graça). Dia de sol como poucos. Na entrada da Estação da Luz, havia muitos ônibus de excursões. A minha sensação de orgulho ficou ainda maior. A fila não me desanimou. Paciência é uma virtude que cultivo com muito carinho. Meia hora depois, já estava lá dentro. A entrada é emocionante. Penumbra. Tecidos transparentes com lindas imagens de Clarice sobrepostos a algumas de suas frases. Essas frases foram selecionadas pelo poeta Ferreira Gullar. A intenção talvez seja reproduzir visualmente o mistério por traz da “personagem” Clarice Lispector e da sua obra. Não resisti e fiz duas fotos dessa sala (claro que escondido dos muitos monitores). Não me perguntem como. Quando me dei conta, já estava com as duas imagens na câmera e um sorriso de orelha a orelha. E não vou ficar contando tudo porque perde a graça, o legal é ir lá, descobrir os detalhes e se encantar. Mas só para deixar quem não foi com água na boca. Cartas, manuscritos, documentos e fotos da escritora estão ao alcance de todos (pelo menos, de nossos olhos). Dedique um tempo para ler algumas cartas, sobretudo as que ela enviava ao filho, nos Estados Unidos. São textos emocionantes. Belos. Repletos de ternura. E também assistam a entrevista, feita pouco antes de sua morte, em 1977, pelo jornalista Julio Lerner, para o programa Panorama, da TV Cultura. Um dia, ainda terei uma cópia desse vídeo. É de arrepiar. A voz. O olhar indecifrável e penetrante. A elegância. Sou radicalmente contra o tabagismo, mas até o modo como ela fumava possui um certo charme. Há trechos dessa entrevista, no site oficial da escritora
www.claricelispector.com.br.

“REVELAÇÕES” DE CLARICE.

“Vi a Esfinge. Não a decifrei. Mas ela também não me decifrou”.

“Escrever uma só linha basta para salvar o coração”.

“Com uma vida pobre (e qual é a vida rica?) com a vida pobre eu me salvo dela através do imaginário”.

“Só me interessa escrever quando eu me surpreendo com o que escrevo”.

“Quem escreve ou pinta ou ensina ou dança ou faz cálculos em termos de matemática, faz milagre todos os dias”.

“Em escrever eu não tenho nenhuma garantia. Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer”.

“Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa”.

“Nem tudo que escrevo resulta numa realização, resulta mais numa tentativa”.

“Sinto que cheguei quase à liberdade. A ponto de não precisar mais escrever. Se eu pudesse, deixava meu lugar nesta página em branco: cheio do maior silêncio”.