terça-feira, 21 de março de 2017

VACA PROFANA



Olá

Acho que eu nunca dividi isso com vocês. Como se dá o processo de criar uma série de colagens, como escolho o tema, o que me inspira e, principalmente, o que me motiva a fazer isso, afinal não vivo exclusivamente de arte e muitas vezes sou até cobrado por isso. Bom, não sou um Vik Muniz, mas me orgulho muito do que faço e tenho vendido alguns bons trabalhos por aqui, embora nem sempre com a frequência que gostaria. O assunto de hoje é sobre um movimento (artístico e cultural) que me influenciou muito esteticamente, desde que comecei a pintar (profissionalmente), em 2009: a Tropicália. Não, isso não é  papo pra impressionar leitor, eu realmente gosto e posso dizer que neste momento a influência desse movimento que surgiu, no final dos 60, faz todo sentido pra mim. O que me fascina no Tropicalismo é justamente o fato de ser uma mistura improvável, de tomar pra si ou dialogar com, desde artes plásticas (o próprio nome veio de uma instalação do Hélio Oiticica e a música Lindonéia é inspirada num quadro do Rubens Gerchman), passando por músicas bem populares (tipo rádio AM, mesmo), e acrescente ainda rumba cubana e coisas mais sofisticadas também. Tudo é permitido. É proibido proibir, literalmente. Não tem aquele radicalismo que o Modernismo tinha, por exemplo. Abominava arte acadêmica. E pra mim isso tudo é a cara do Brasil: o antigo e o novo e o popularesco, o pitoresco, o kitsch, o pop, as cores, as texturas, as frutas na feira... E é a cara do que eu faço também. Colagens barrocas (como chamam aqui), mas jamais me prendo a isso e estou sempre aberto a novidades.
De onde vem o meu gosto pela Tropicália? Senta que lá vem história... Meu pai promovia festas como uma atividade paralela, na Bahia, numa cidade bem pequena chamada Brejões, onde passei a minha primeira infância, então cresci cercado de capas de discos e imagens de artistas populares dos anos 80. A minha primeira lembrança de uma imagem dessas e que realmente me impressionou foi a capa de Gal Profana. Uma Gal Costa selvagem, vamp, retocando o batom vermelho sangue, de cara para o público. Puro poder! É engraçado como essas coisas ficam pra sempre. O meu pai sempre foi muito fã do Caetano Veloso, mas eu só vim saber o que foi, realmente, a Tropicália como movimento, quando Caetano e Gil lançaram o Tropicália 2, nos anos 90. Teve um show em São Paulo, com transmissão pela TV (TV Cultura talvez) e o meu querido pai me explicou o que significou a música dos dois, na juventude dele. De lá pra cá fui colecionando informações, assistindo a documentários e terminei lendo Verdade Tropical, do Caetano, em 2008 (recomendo de tão bom). O disco Tropicália está inteirinho no meu ipod e a cada nova execução descubro novas leituras, fico pirando tentando imaginar o que cada letra queria dizer, as metáforas todas, enfim, é definitivamente uma inspiração pro resto da vida. Todo esse trelêlê é só pra dizer que músicas me inspiram muito na hora de fazer arte e dessa vez não foi diferente, mas escolhi uma outra música do Ceatano que eu adoro e considero emblemática para falar de minhas mulheres fortes: Vaca Profana. Dia desses, coloquei a música no YouTube e, enquanto Gal era sublime na sua interpretação (atemporal, thanks God), eu me sentava na varanda de casa e me deliciava com aquele som e criava a minha versão visual dessa música e vibrava com o verso: "De perto ninguém é normal". Saiu um quadro lindo (modéstia à parte), uma mulher gravidíssima de divinas tetas, com uma cabeleira a la Clara Nunes, jorrando leite bom e que deu o tom do discurso de todos os outros. Bom, nada normal, é bem verdade. Pra afrontar a família tradicional brasileira, como brincou um amigo rs. Porque devoto a loucura, mesmo! E foram anos pra me libertar e me render ao diferente. E que me faz tanto bem. Que assim seja. Até a próxima!

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