terça-feira, 30 de dezembro de 2014

50 E ZEN


Muitos vão torcer o nariz, mas o livro mais interessante que li neste ano foi “50, Eu?”, o e-book do jornalista e apresentador de TV, Zeca Camargo. Antes que você possa me chamar de louco ou deslumbrado com o mundo das celebridades, sugiro acompanhar o post até o final. Não, não quero convencer você de absolutamente nada, apenas mostrar que esse livro, talvez por questões de mercado ou por puro preconceito, foi promovido de forma errada e muitas pessoas não sabem o quanto ele é bem elaborado, o quanto o texto é saboroso e inteligente. 
Difícil escolher apenas um trecho para deixá-los com água na boca, seguem então três que selecionei ao acaso: “Sei que tenho que aceitar que um dia tudo vai cair mesmo – uma involuntária vingança do corpo feminino, que tenho certeza de que as mulheres comemoram secretamente toda vez que veem o marido sessentão sair do banho”, “Somos um gênero naturalmente competitivo – e, na impossibilidade de competir em outras características físicas mais ocultas (e que, embora menos ainda admitam, é a única competição que realmente conta), é na linha da cintura que secretamente dizemos a nós mesmos: “Estou melhor que ele”, “Sou o brinquedo favorito do filho de 2 anos de um casal de amigos. Aliás, eu não – meu rosto. Mais especificamente a pele do meu rosto. Toda vez que encontro esse garoto, ele avança sobre minhas bochechas com a fome de quem encontrou um balde de massinha de modelar”.
Estava finalizando as pesquisas de um projeto chamado “O Rosto Objeto”, inspirado num artigo do Roland Barthes, onde desconstruo rostos especialmente de ídolos ou ícones do passado, negando essa necessidade voraz que temos de forjar a aceitação inconteste da beleza como algo fundamental (quem não se lembra do espanto com o novo rosto da atriz Renée Zellweger, nas redes sociais, dia desses?), para mostrar que mesmo aparentemente transfigurados, “monstruosos”, a beleza deles está ali, uma vez que reconhecemos neles, imediatamente, o que eles representam culturalmente e isso é o que de fato importa (ou deveria). Li muitas coisas e, nesse contexto, cheguei ao livro do Zeca Camargo. Sim, foi a última leitura. Não esperava um livro muito “sério”, é verdade, e logo no primeiro capítulo levei aquele susto.  “Será que ele escreveu isso mesmo?” – me questionei, ainda desconfiado. E bastou alguns parágrafos para saber que o livro é mesmo muito bom.
Chegar aos 50 anos, gozando de boa saúde e prestígio profissional, não é exatamente uma novidade e muito menos privilégio de alguém famoso, por isso já considero o primeiro grande acerto do autor: registrar a chegada da nova idade  de forma pouco óbvia (fazendo um raio-x do próprio corpo e suas mudanças) e sem se perder no caminho fácil da vaidade extrema. Talvez isso explique a presença constante do humor, ou da “autossacanagem”, como costumo dizer. Desde a ótima foto de capa, onde o rosto do jornalista aparece todo esticado, o que logo me fez lembrar alguns trabalhos do fotógrafo Wes Naman, até o bem sacado capítulo final que traz um dos discursos mais bonitos que já li sobre generosidade e amor, o humor está presente. Brincar com o que viu no espelho, depois de uma comemoração intensa em Istambul, uma de suas cidades favoritas, mas sem protagonizar um dramalhão do tipo: “Em que espelho ficou perdida a minha face?” – só pra lembrar um dos meus poemas favoritos da Cecília Meireles – trouxe uma leveza esperta e, sobretudo, cumplicidade com o leitor. E, cá entre nós, nesses tempos de exposição excessiva, em todos os sentidos, o discurso do livro, apesar do lugar-comum, é bastante pertinente: “envelhecer faz parte do processo”. Não tem jeito.
Não posso dizer que a mídia especializada ignorou o livro, mas todo material que li sobre ele ou vídeos a que assisti e até mesmo entrevistas do jornalista falando desse trabalho, na minha modesta opinião, não destacam a qualidade que me impressionou, a maioria termina sempre refém do perigoso e precipitado julgamento: “Um artista da Globo escreveu, então vamos boicotar”. Aliás, não basta ser apenas da Globo, basta ter um pezinho no pop para sofrer desse mal e na literatura não é diferente. O escritor paulistano Santiago Nazarian que o diga. Fernanda Young também. Mas, pra  felicidade de quem admira um bom texto, as coisas estão começando a mudar e nomes como Fernanda Torres e Gregorio Duvivier estão aí pra marcar território.
No próprio livro (“cada um que descubra as coisas por si”) e em algumas entrevistas de promoção do mesmo, o jornalista se apressa em dizer que não se trata de um livro de autoajuda. De fato, não é, mas é inegável que ele seja “vendido” como tal, o que é uma pena, porque simplifica a mensagem e o ótimo tratamento do texto. Não há fórmulas prontas, dicas para perder peso ou coisas do gênero, apenas o relato honesto de quem chegou aos 50 anos, consciente das mudanças do próprio corpo e feliz por se deixar ser, daquela maneira. É ou não é uma ótima inspiração (a palavra adequada) para quem ainda se sente desconfortável em, digamos, viver mais, com tudo que isso possa trazer de bom ou ruim? E se é pra viver mais, que seja com alegria e entusiasmo, como Zeca Camargo tem feito e tão “zen”.

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